A primeira vez que eles se encontraram foi nos Estados Unidos, no ano de 1965, para participarem da gravação do álbum “Bud Shank ad His Brazilian Friends”, por conta do reinado da Bossa Nova em solo americano.
O genial pianista acreano de nascimento e carioca de coração, João Donato, reencontrou 39 anos depois, na cidade do Rio de Janeiro, seu grande amigo e parceiro, o saxofonista e flautista americano Bud Shank.
Isso aconteceu no ano de 2004, depois de um encontro musical no show de Bud Shank no “Chivas Jazz Festival”, quando então, sem grandes formalidades, resolveram entrar em estúdio para gravar os temas do CD “Uma Tarde com João Donato e Bud Shank”, lançado anos mais tarde, em 2007, pelo selo Biscoito Fino. Fizeram isso em apenas dois dias, num sábado e domingo.
Por conta dos shows agendados na época para o lançamento do CD, surgiu a ideia de registrar este mágico encontro também em DVD, o que aconteceu no ano de 2006, em 24 e 25 de novembro de 2006, em 2 noites inesquecíveis no mítico e já extinto bar Mistura Fina, da Lagoa Rodrigo de Freitas, ao lado dos lendários Luiz Alves no contrabaixo e Rubinho na bateria. O lançamento do DVD, editado pela Urca Filmes e pelo selo Biscoito Fino, se deu no ano seguinte, em 2007.
O material foi registrado em preto e branco com todo o requinte, competência e sensibilidade dos diretores Renato Martins e Felipe Nepomuceno, que tiveram a ideia genial de recriar a atmosfera intimista dos grandes filmes de Jazz. Simplesmente perfeito e marcante.
Neste raro encontro, que só a música pode proporcionar, os dois músicos estão inspiradíssimos, com absoluta liberdade e improvisando em alto estilo, reinventando literalmente as músicas gravadas no DVD.
João Donato é um dos maiores pianistas deste país, além de compositor, arranjador, cantor, tendo uma experiência absurda e uma genialidade que é para poucos. Surgiu na cena profissional no ano de 1949, tocando acordeom e não parou mais, sendo atualmente um dos músicos mais ativos em shows e gravações.
Já o saudoso Bud Shank (falecido em 2009), estabeleceu importantes parcerias com grandes nomes do Jazz como Charlie Parker, Duke Ellington, e foi um dos grandes solistas da Orquestra de Stan Kenton nos anos 50. Foi também um grande admirador e divulgador nos Estados Unidos da música brasileira, principalmente a Bossa Nova.
O repertório do DVD foi escolhido de forma minuciosa por Bud Shank, segundo declarou João Donato e destaco “Minha Saudade”, tema gravado pela dupla em 1965 e 2004, “Manhã de Carnaval”, que ganhou uma versão incrível com várias nuances, “Lover Man”, onde Donato no seu solo diz tanto com poucas notas, a clássica “Eager Beaver”, sucesso da Orquestra de Stan Kenton, e mais as novidades compostas por Bud Shank, “Wildflower's Lullaby” e “Carousels”, esta feita parceria com a sua mulher Linda.
Os “Extras” do DVD também são de arrepiar com a gravação dos clássicos “Fascinating Rhythm”, “Summertime” e “Night And Day”, além de um “making of” com cenas dos ensaios e entrevistas com os 2 músicos.
Para você que gosta de Jazz e Bossa Nova, um registro histórico e obrigatório que reuniu 2 grandes lendas da nossa música numa atmosfera inspirada.
Jessé Sadoc – “O Som de Casa”
Um dos maiores instrumentistas do nosso país, o trompetista carioca Jessé Sadoc, lançou recentemente, de forma independente, seu primeiro CD como líder. Ele passou a infância nos estúdios de gravação e em ensaios, acompanhando seu pai que era trombonista e já aos 11 anos de idade começou a estudar trompete na Escola de Música Villa-Lobos. Ele é um dos fundadores da incrível e afinada Orquestra Atlântica, integrante do Quinteto Arte Metal e há mais de uma década participa da banda do pianista Marcos Valle e mais recentemente do cantor Djavan. Além de integrar a Orquestra Sinfônica Brasileira e a Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Pelo seu raro talento e simplicidade é um dos músicos brasileiros mais requisitados para shows e gravações, levando com suavidade seu trompete e por vezes o seu melodioso flugelhorn. E os seus arranjos, sempre muito inspirados, o tornam um músico diferenciado e completo. Acompanha nomes de peso da nossa MPB desde o ano de 1997, como Caetano Veloso, Ed Motta, Ivan Lins, Guinga, Celso Fonseca e tantos outros nomes importantes.
Com apenas 12 anos de idade, teve uma aula particular com o gigante Wynton Marsalis, um dos trompetistas mais importantes da História do Jazz. E curiosamente, anos mais tarde, se encontraram novamente e Sadoc já era um músico profissional e admirado por Marsalis. Coisas que só a música tem o poder de fazer.
O disco tem 10 faixas autorais e apenas uma em parceria ao lado do seu grande amigo Marcos Valle, com quem divide os palcos com muita frequência nos últimos anos. Ao seu lado, apenas seus amigos mais próximos: Alberto Continentino no contrabaixo, Glauton Campello e Kiko Continentino nos pianos, Marcelo Martins nos saxofones, Renato Massa na bateria e a participação muito especial do genial Marcos Valle no piano. Um verdadeiro timaço de músicos, que emprestaram talento e uma musicalidade extrema ao trabalho.
Meus destaques ficam para “Partido Magnético”, “Dani”, “Boa Nova”, as baladas “Contemplativa” e “Blues Menor”, “Jazz Del Este”, e a minha preferida “Nordic Sunset”, feita em parceria com Marcos Valle.
Música instrumental brasileira de altíssimo nível, improvisos inspirados com pitadas do Jazz e da Bossa Nova, numa levada única e estimulante. Trabalho feito por quem conhece do assunto música. Valeu Jessé Sadoc pelo belo presente!
Leandro Cabral Trio – “Alfa”
Descobri por acaso o CD do jovem e talentoso pianista, compositor e arranjador paulista Leandro Cabral, que já tem mais de 10 anos de careira profissional.
Começou a tocar piano clássico com apenas 7 anos de idade e, já aos 14, ingressou na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, onde estudou piano popular, saxofone e teoria musical. Lá conheceu a Bossa Nova, o Jazz e a improvisação.
Ed Motta, Maria Rita, Seu Jorge, Filó Machado, Simoninha, Roberta Sá são alguns nomes com quem trabalhou em shows e gravações, além de acompanhar outros nomes de prestígio nacionais e internacionais. Desde 2012 faz parte do importante núcleo docente do Conservatório Souza Lima, lecionando piano popular e realizando vários workshops pelo país.
Este é o seu segundo álbum como líder, lançado de forma independente com 10 belas faixas, gravado ao vivo no belíssimo Teatro Alfa em São Paulo, reconhecido por ser uma das principais salas de espetáculo do país, por sua acústica, preciosismo técnico, conforto e beleza.
O CD me surpreendeu pela intensa introspecção de Leandro Cabral ao piano, somados à intensa afinidade com seus parceiros e amigos de longa data, Sidiel Vieira no contrabaixo e Vitor Cabral na bateria e percussão.
Além disso, destaque para as participações especiais da cantora Vanessa Moreno e do saxofonista Cássio Ferreira.
Você vai ouvir composições que priorizam ritmos brasileiros menos usuais e bem percussivos, não muito comuns para este tipo de formação em trio, mesclados com improvisos fortemente jazzísticos, que dão um colorido todo especial ao trabalho, reforçando suas nítidas influências musicais dos pianistas Herbie Hancock, Keith Jarrett, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal e Brad Mehldau, principalmente.
As minhas selecionadas são as suas composições “Rute e sua Grandeza – Vassi nº 1, a única cantada “A Dança”, “O Grande Azul” e a inspirada faixa título “Alfa”, além das surpreendentes releituras de “Outra Vez”, “Rapaz de Bem” e “Inútil Paisagem”, numa reverência muito criativa à Bossa Nova. Outro ponto que merece destaque é a bela apresentação do disco, que contém um encarte com fotos muito bonitas e informações importantes sobre o trabalho do músico.
Detalhes que fazem grande diferença e que demonstram que a voracidade do formato MP3, jamais pode superar a beleza e os detalhes de um disco físico. Que tem pontos imbatíveis: a qualidade de gravação, a riqueza de informações do encarte, que aguçam os nossos sentidos do tato e olfato, tão prazerosos de sentir ao manusear um CD.
Bela e inspirada experiência musical, Leandro Cabral! E que venha o próximo!