Certa vez, ouvi de alguém algo que guardei na tábua nada rasa do meu coração: o define se uma pessoa é corajosa não é não sentir medo, mas é prosseguir apesar do medo.
E de outro alguém aprendi isto, que traduzo ao meu modo: coragem não é o ocaso do medo, mas o seu eclipse. Só exerce a virtude da coragem quem reconhece o medo. O medo é aliado. Faz-nos vigilantes, cautelosos e prudente. Quem administra bem o medo não fica paralisado.
Caminha calçado com coragem e avança sempre.
Durante seu longo e abençoado pontificado, são João Paulo II cunhou esta sentença que repito como jaculatória: “Coraggio, senza paura” (coragem, não tenhais medo).
A história ensina que as pessoas que fizeram a diferença no mundo ou, no mínimo, tornaram-se bem-sucedidas em alguma coisa, foram aquelas que ousaram, que assumiram riscos, que enxergaram grandes oportunidades onde a maioria viu apenas dificuldades. Quem não assume riscos e não se guia pela coragem passa a vida sem deixar rastro, perde-se no labirinto da irrelevância.
E quando aqui se fala em irrelevância, não se quer dizer a contrafação do prestígio, da fama, do estrelado. Não, nada disso. Fala-se da triste condição de terra infecunda, de quem não produz nada de bom para si e para os outros, quem não se ocupa de exercitar o bem e ir adiante em tudo o que possível.
Daí o apreço que tenho pela coisas da coragem, da virtude cardeal da fortaleza e do que lhes sopra, o espirito de luta. Chamo-os de tríduo da excelsa dignidade. Esse tríduo é motivo de especial atenção e tema que gosto muito e me permito dialogar frequentemente.
Neste brevíssimo ensaio dele tratarei especialmente direcionado ao trabalho e fundado na fé, fazendo-o com a viva esperança de ser de alguma forma útil aos amigos leitores, todos dignos da minha devotada afeição.
Pois bem!
O espírito de luta, que é animado pela coragem, é o dínamo de todo aquele que trabalha com o objetivo de santificar a própria vida e dos demais. O trabalho é via de santidade e em si mesmo uma poderosa forma de oração.
Pelo trabalho cada um de nós ganha o pão de cada dia, interage no mundo e, em não poucos casos, põe em prática talentos e vocações. E mesmo quando não for o caso de exercício de talentos ou de efetiva vocação [nem todos trabalham com o que gostam ou se sentem mais inclinados a fazer], há a chance de descobrir algo bom no modo de proceder e de ser.
A vida de ninguém deve ser consumida pelo trabalho, nem é bom que alguém se defina por ele, mas é inegável que ele tem protagonismo e é porção grande das medidas pessoais. Por isso, o trabalho zeloso, reto, é o que se faz com espírito de luta.
Esse espírito intenso é iluminado pela confiança, coirmã da virtude cardeal da fortaleza.
O Padre francês Thomas de Saint-Laurent escreveu no início do século passado um livro muito simples, porém profundo, sobre a confiança.
Sua obra, com o sugestivo título “O Livro da Confiança”, mostra-nos quão importante é vivenciarmos no exercício da fortaleza e o espírito de luta a todo instante.
Encontramos no piedoso livro a seguinte afirmação: “Poucos cristãos, mesmo entre os fervorosos, possuem essa confiança que exclui toda ansiedade e toda hesitação. Várias são as causas dessa deficiência. O Evangelho narra que a pesca milagrosa aterrou São Pedro. Com a impetuosidade habitual, ele mediu de relance a distância infinita que separava da sua própria pequenez a grandeza do Mestre. Tremeu de terror sagrado, e prosternando-se a face contra a terra: “Afastai-Vos de mim, Senhor, exclamou, que sou pecador”, (“Exi a me, quia homo peccator sum, Domine”, Lucas, V,8)”.
Belíssima e forte, não?
Segue-a outra, digna de destaque: “Logo aproximou-se Jesus do Apóstolo assustado: “Não temas!” (Noli timere, Lucas, V,10) disse-lhe, e o fez levantar-se… Vós também, cristãos, que do seu amor tantas provas recebestes, nada temais! Nosso Senhor receia acima de tudo que tenhais medo dEle. Vossas imperfeições, vossas fraquezas, vossas faltas, mesmo graves, vossas reincidências tão freqüentes, nada O desanimará, contanto que desejeis sinceramente converter-vos. Quanto mais miseráveis sois, mais Ele tem compaixão de vossa miséria, mais deseja cumprir, junto a vós, sua missão de Salvador… Não foi sobretudo para os pecadores que Ele veio à terra (“Non enim veni vocare justos sed peccatores”, Marcos, II, 17).
Independentemente da fé que cada leitor professa (ou mesmo diante da falta de alguma), temos nessas palavras, cada um adaptando-as ao seu modo (sem lhes ferir a essência, porém), há de se reconhecer a grande riqueza e a veracidade de cada letra que as compõe. A pessoa corajosa é a que vence a si mesmo, que não se apequena e que segue adiante, mesmo diante das dores e injustiças do mundo, das misérias íntimas, das especiais adversidades e do medo, sentimento natural que a todos assombra.
Como não nos deixarmos preencher pela confiança diante de tão taxativa afirmação do próprio Senhor: “Não temas!”? Como não se sentir consolado e seguro em nutrir toda essa confiança-fortaleza sabendo que a despeito de nossas faltas, mesmo as contumazes, Deus não se cansa de nós? Como, então, renunciar ao espírito de luta e, exercendo sábia e regiamente o dom do livre arbítrio, não combater os afetos desordenados que nos assaltam e tentam nos desviar de bons caminhos?
Responder decisivamente cada pergunta que ora se faz é deixar-se dominar pela virtude fortaleza, observar a direção do sopro do espírito de luta, seguindo-o, e informar-se pela coragem, a marca distintiva dos bravos de coração.
A coragem é como uma dor contínua que nos morde o coração como um lobo. Uma dor boa, que transforma pranto em dança e nos faz seguir adiante, resolutos em prol de conquistas que aos olhos do mundo (que são quase sempre desfocados) podem ser até pequenas, mas que para nós são tesouros incorruptíveis.
Que possamos ser cada vez mais corajosos e cheios de fé, tomados pelo espírito de luta e o desejo sincero de vencer desafios e adversidades, sem temores infundados, sentimentalismo excessivo e vulgar. Em vez desses temores, deixemo-nos dominar pela prudência e pela sabedoria, que bem discernem tudo e diferenciam coragem de mera valentia (que é quase sempre desastrosa).
Sigamos a sentença papal que nos exorta a abandonar o medo e abraçar a coragem.
No ambiente de trabalho a coragem é imprescindível para transformações e avanços. A depender do que se faz, ela pode ser mais ou menos necessária e recorrente. Será, contudo, sempre essencial para que nada amorneça ou se apequene. Com coragem se empreende e se conquista.
Pode-se ganhar ou perder no desafio, mas nunca se deixar contaminar pelo arrependido da inação acovardada. O trabalho bem-feito é o que se exerce com fortaleza.
A coragem é o aríete da confiança e a confiança é o que nos faz convictos de que cumpriremos sempre fielmente nossos deveres, não nos assoberbando diante dos resultados positivos, nem nos deixando abater pelos negativos. Quem age corajosamente é confiante e quem é confiante sabe que suas ações são ordenadas pela busca perpétua da verdade, do justo e do valoroso.
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