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Ucranianos refugiados passam férias de verão nas praias da Sicília

17/07/2023
Anita Bonita/Depositphotos

Um monte de ucranianos (refugiados em Londres e Berlim, mantidos pela UE), passando férias de verão nas praias da Sicília.

Eu já havia ouvido falar disso quando estive na Alemanha. Fontes fidedignas. Agora eu vi. Dou testemunho. Todos bem animados. Um deles, em um bar, gostou do aroma do Toscanello que fumava. Dei-lhe um. Puxou assunto. Em momento algum falou da guerra. Aliás, a indignação dos europeus com a guerra – como eu já havia visto ano passado – arrefeceu com a chegada do verão.

É como se não existisse um conflito na porta leste do jardim. Muitas hashtags, palavras de ordem em shows musicais, bandeiras da Ucrânia aqui e acolá e fervor de redes sociais. Nada mais. Uma coisa é a guerra na mídia. Outra, a de verdade.

Um punhado de gente ganha fortunas com armas, uniformes, manutenção das tropas de um lado e de outro… mais um punhado ganha com “ajudas humanitárias” e um punhado maior, normalmente gente simples, morre. Soldados dos dois lado morrem. Mas, o mundo está em paz com sua consciência.

Os intelectuais discutiram a guerra em fóruns regados a frisantes e canapés e as massas “rebeldes” externaram preocupação por meio de bonitas fotografias no Instagram e vídeos no TikTok (e assim que se escreve?). Agora é desestressar ao som do último hit.

Até os ucranianos, homens entre 20 e 40 anos, que EU VI na Sicília, fortes e saudáveis, têm direito ao descanso, não? Estão mais preocupados com o aroma do meu Toscanello do que com o cheiro da pólvora em seu país. Parece que os 1.600 euros que cada um ganha para estudar inglês em Londres ou Berlim são mais apelativos do que combater o inimigo.

Enquanto isso, brasileiros – cujo país não tem problema algum e não é violento, não é? -, especialistas natos em geopolítica, brigam entre si ao sabor de paixões ideológicas, como se suas opiniões fossem capazes de mudar o rumo das coisas.

E assim “la nave và”. A tal rebeldia das massas; a tal civilização do espetáculo… o tal cultura-mundo. Levas e levas de gente embriagada por autoengano. A beleza agridoce da hipocrisia. A porção vulgar de sensibilidade hiperbólica que quase todos têm que demonstrar para se sentir em paz consigo mesmo.

Muita gente fala bastante, mas quase ninguém verazmente sente algo. Menos gente ainda faz.

E, dirá alguém: você, Paulo, não é parte disso? Sim e não, respondo. Sou parte dessa grande hipocrisia global, mas ao menos dela tenho consciência e não finjo sentir além do que a empatia do momento autoriza racionalmente. Não minto mais para mim mesmo e para o mundo, mesmo sabendo o quão desagradável é ser transparente no tempo das narrativas e do politicamente correto. Embora eu devesse, não consigo mais ecoar as paulo coelhadas da vida.

Evidentemente que me entristeço com a falta de liberdade, com as guerras e com a violência urbana, mas estou plenamente ciente – e me já não me envergonho mais – de que essa tristeza não consumirá meu ser e durará até o próximo jogo do Palmeiras ou o torpor da taça de vinho. Por isso não discuto mais assuntos complexos.

Eu faço parte da hipocrisia do mundo, mas não quero ser como todo mundo. Posso não ser o herói virtuoso que gostaria de ser, o bom homem temente a Deus que deveria ser… contento-me em não ser mais um mentiroso bem-intencionado. Contento-me e sinto até algum orgulho pelo fumus de autenticidade.

Esses sorridentes ucranianos que vi aqui e que confirmam relatos confiáveis me fazem ir além do pudor teológico (usei esta expressão certa vez e a usarei mais doravante) e externar sentimento que até então blindava: prefiro, sim, os bichinhos à maioria das gentes.

Sou um homem desmotivado com as coisas e que apenas luta para não cometer o grave pecado da desesperança.

Pior do que a violência e a podridão do mundo, é a hipocrisia voluntária.

Nesta, não cairei. Não darei tamanha alegria ao demônio.

Que o Senhor, bendito seja, tenha misericórdia de mim. Eu mesmo não a tenho. Autocomiseração não habita meu vocabulário.

PHC, mais um peão do tabuleiro da vida. Ao menos, um peão consciente da própria miséria.

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