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O valor da cultura literária

26/06/2023
O valor da cultura literária | Jornal da Orla

Não desejo opinar sobre o que ocorreu na Rússia. Nada entendo a respeito e desconheço com a necessária profundidade geopolítica internacional.

Incapaz de avaliar a situação e sempre a desconfiar da veracidade das notícias, prefiro evitar juízos.

Além disso, o que penso ou não sobre as coisas é algo absolutamente irrelevante, como irrelevante sou neste mundo.

Feito este preâmbulo, desejo comentar algo, mas não sob o prisma político e, sim, literário (campo em que a Rússia é ainda mais poderosa).

Vi, agora pouco, em um telejornal, entrevista com um cidadão moscovita.

Ele disse sobre o comandante do Batalhão Wagner:

“Eu era a favor dele enquanto apenas falava. Agora, não mais. Suas palavras deixaram de ser boas por causa de suas ações. Ele colocou suas ambições políticas acima dos interesses da nação e em momento delicado. Colocou um molho de patriotismo para disfarçar, mas não conseguiu”

O que me chamou a atenção? Não exatamente o conteúdo da opinião, mas a forma.

Falo da densidade da opinião, da estética, do bom uso das palavras. Nelas há até um aroma semi-poético (“molho de patriotismo”). Ao que esse cidadão disse, vi e ouvi outros dois e na mesma toada de feliz exposição de ideias e sentimentos.

O povo russo – mesmo a juventude (que em todo o mundo, neste tempo, anda especialmente confusa e inculta) – é um dos mais cultos e densos, bem alfabetizado e dono de invulgar conhecimento literário.

Há um efeito Tostines bem interessante a ser considerado. Será que a alma do povo russo fez nascer em seus seios poderosa escola de escritores ou será que essa escola que moldou a alma?

Seja qual for a relação de causa-efeito, o que importa é a capilaridade da literatura em meio ao povo. Mesmo as pessoas menos instruídas (e na Rússia e régua cultural é alta) demonstram alguma familiaridade com a (boa) literatura. E isso é bom; e isso faz a diferença; e isso repercute em todos os campos.

Sei que comparações são sempre perigosas e não deixo de me penitenciar antecipadamente pelo casuísmo da que agora farei, porém julgo interessante neste momento.

Soube, ontem, que amiga fisioterapeuta, professora universitária, deparou-se com aluno do último ano que não sabia o significado da palavra “prioritário” e que, por isso, não conseguiu responder questão sobre filtragem de situações com “atendimento prioritário”.

Para refletirmos e muito.

E aos que quiserem refletir, peço algo: despir-se das vestes ideológicas.

A Rússia passou pelo czarismo e pelo comunismo, situações absolutamente distintas, sem jamais descuidar da Educação, da literatura e da cultura. Sempre deu ao mundo escritores, músicos, bailarinos.

Lá, os trabalhadores da indústria jogam xadrez na hora do almoço e os camponeses falam das coisas da fé com a profundidade dos teólogos.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.