Comportamento Política

O que se passa na mente de um bolsonarista-raiz?

04/11/2022
O que se passa na mente de um bolsonarista-raiz? | Jornal da Orla

Berros, choros compulsivos, comemorações de informações falsas e agressividade. O mundo acompanhou estarrecido a reação de parte dos eleitores de Jair Bolsonaro que, inconformados com a derrota, tiveram comportamentos histéricos em várias partes do país — eles promoverem bloqueios em estradas antidemocráticos e ilegais.

Mas o que leva a pessoas até pouco tempo consideradas normais terem verdadeiros surtos psicóticos, pretensamente por conta de uma disputa eleitoral? Freud explica?

Doutora em Psicologia Social pela USP, Gisela Monteira diz que nem Freud explica o comportamento da mente bolsonarista, mas o pai da Psicanálise explica o comportamento da massa, isto é, a pessoas toma determinadas atitudes quando está em grupo, mas que não teria se estivesse sozinha. “Se a pessoa tivesse esse comportamento sozinha, iam falar que está sofrendo um surto psicótico, mas como ela está em um grupo que pensa igual, passa a ser normal”, destaca.

“Quando está em grupo, há essa sensação de pertencimento e um contágio emocional. É a vibração que vemos no show de música, na torcida organizada de time de futebol. Está todo mundo com o mesmo objetivo. Contra alguém ou a favor de alguma coisa. E aí as pessoas repetem o comportamento da turba. A pessoa fica infantilizada. A responsabilidade individual sobre o fechamento de uma rodovia, por exemplo, desaparece. Quando é todo mundo, não é ninguém”, esclarece.

A especialista destaca também a influência das redes sociais. “O algoritmo faz com que a pessoa permaneça numa bolha. Ela exclui quem não pensa diferente, só tem contato com quem pensa igual e acha que aquilo é a realidade”.

Radicalização gradativa
Gisela Monteiro pondera que este processo é gradativo, não ocorre de maneira abrupta. “As pessoas foram sendo convencidas. Se a pessoa apenas convive esses ambientes e não se informa por si ela acaba se contaminando. É como se fosse uma lavagem cerebral, e a base de todo sistema totalitário é o isolamento de informação, o controle dela. É neste contexto que entra a demonização das mídias, do jornalismo profissional. A pessoa não assiste nada que seja contra o que ela pensa, só procura informações que confirmem suas convicções”.

Este processo vai se desenvolvendo até o radicalismo, quando o grupo normaliza o ódio, o preconceito e a intolerância. “É preocupante, porque estamos vendo a normalização de saudação nazista, por exemplo”, completa.

Gisela Monteiro indica como ponto de ruptura o ano de 2018, quando a maioria da população brasileira elegeu Jair Bolsonaro. “Antes, era feio ser de extrema direita. As pessoas sabiam o que era crime de ódio, racismo. E as que nutriam isso não se manifestavam porque não tinha espaço — até porque é crime. Bolsonaro veio para legitimar isso. Uma parcela da população acha isso mesmo: que pobre, nordestino, mulheres têm que se lascar mesmo…”, argumenta.

“Bolsonaro nunca enganou, nunca foi dissimulado, sempre foi sincerão. Ele trouxe à tona o que estas pessoas tinham de pior. O filtro ético, moral e social foi para o espaço. É um grupo menor da sociedade, mas ainda assim é muita gente”, completa.

A doutora em Psicologia Social acrescenta que a este grupo de fundamentalistas se somaram pessoas que nutrem ódio a Lula e o Partido dos Trabalhadores. “Mas tem que ser muito anti-PT para tolerar o comportamento de Bolsonaro”, pondera.

Volta à normalidade
Gisela Monteiro acredita que o apaziguamento dos ânimos deverá ocorrer gradativamente. “Com o tempo, as pessoas perceberão que que perderam, que não haverá intervenção nem golpe, que não risco de o comunismo se instalar, nem de virar uma Venezuela. E que Bolsonaro não está nem aí. Vai ser muito duro para elas, individualmente. Será quebrar uma “verdade” que vinha sendo alimentada durante muito tempo. A própria realidade vai se encarregar de mostrar que estes medos são infundados. Por mais que a realidade seja distorcida e contorcida para se ajustar a esses delírios, conclui.

Confira a entrevista completa com Gisela Monteiro, doutora em Psicologia Social pela USP, sobre o comportamento dos fanáticos que promovem baderna e defendem atos ilegais.