Dre Santos
A coluna Tu View agora conta com novos redatores. O Fell Ferreira, colunista oficial, cedeu espaço para quatro amigos pra que escrevam semanalmente. Nesta semana, o texto de é Dre Santos.
Ser um Adulto Gamer é uma dádiva e uma maldição ao mesmo tempo.
Lembro de todos os contorcionismos argumentativos que minha versão pequena dava para minha mãe ou meu pai me descolarem uma fita de Mega Drive ou de Super Nintendo. Uma das grandes escolhas era de qual dos lados eu iria depositar o meu discurso – Meu pai era mais fácil de convencer, mas era minha mãe que tinha mais tempo a tarde pra ir na loja comigo. Tudo devia ser milimetricamente calculado em minha cabeça para que o resultado fosse positivo e eu conseguisse voltar com aquela fita para casa. Inclusive, hoje sei que de nada servia minha argumentação supostamente de milhões, tudo dependia se pai e mãe tinham bala pra bancar o meu hobby. Mas agora como um adulto, eu faço meu próprio dinheiro e já tenho o meu planejamento financeiro pra encaixar meus joguinhos, e aí te apresento a dádiva.
A maldição já vai um pouco mais embaixo. Se na juventude era pouca bala e muito tempo, em meus 38 anos de idade a situação é quase que inversamente proporcional – afinal quem pode dizer hoje em dia que tem “muita bala”? Como um apreciador da mídia física, minhas caixinhas as vezes se empilham nas gavetas e jogos outrora tão esperados se tornam terceira, quarta, quinta prioridade em frente a outros jogos ou situações. E assim cria-se a fera do backlog, a síndrome da Biblioteca da Steam. Surge o sommelier de GamePass, que aparece quando você se vê por mais tempo que o devido passando pela lista dos jogos disponíveis no serviço da Microsoft e se imaginando jogando um jogo ou outro sem fazê-lo (sendo que o negócio tá literalmente ali na sua frente!). Usuários do Netflix se identificam muito com isso também.
Diante de tudo isso, minha mente se via de frente de uma decisão aparentemente muito fácil a ser feita ao me ver de frente com um Soulsbourne. Por que diabos eu dedicaria tanto tempo da minha vida tentando ficar bom e chorando sangue pra riscar da minha lista jogos de dificuldade tão elevada como os jogos da From Software? São tantas coisas a se ver e a se fazer, tantos mundos a explorar, tantas histórias a viver, não tenho tempo pra ficar bom nisso! O backlog urge! Tenho trabalho, vida social, família!
Eu sempre tive para mim que para tecer uma opinião sobre qualquer mídia (e no geral para qualquer coisa mesmo), você precisa interagir com ela da forma que ela exige ser interagida. Assista, ouça, vivencie, jogue. E assim o fiz com Demon’s Souls, os três Dark Souls, Bloodborne… Até a chegada de Sekiro eu já estava com a cabeça formada: Esses jogos não são pra mim. São difíceis, não há história, o nível de frustração é muito acima do normal para sequer imaginar me empenhar.
Aí chegou Elden Ring.
Quase que como piada, para realmente ter o assunto pra levantar e o embasamento pra discutir entre meus amigos que sempre gostaram da série Souls, peguei o dito cujo. Afinal, como ele tem tudo para ser o jogo desse ano não poderia ser por mesquinharia minha que eu não iria tentar ao menos dar uma chance. Assim que terminei Horizon Forbidden West (um senhor jogo, inclusive), botei o Anel Prístino pra rodar e…
…odiei com todas as minhas forças.
A biblioteca de argumentações era bem conhecida. Minha primeira morte no jogo foi numa caverna com quatro lobos logo após passar completamente amedrontado do Guardião da Árvore que te espera na saída da área inicial. Em 40 minutos de jogo tomei um sacode imperial do Margit. A surra da minha vida. “Como que pode? Isso é difícil só por ser difícil! A troco de que?”. Desliguei o Playstation.
Porém um fenômeno muito comum em grandes jogos começou a tomar conta. Comecei a pensar em Elden Ring quando não estava jogando-o. Primeiramente foi só uma pesquisa pra conseguir uma arma bacana. Uma armadura legal pra começar. Técnicas, Cinzas de Guerra, builds… No meio desse sentimento tão familiar, oriundo das revistas de videogame dos anos 90 e das horas gastadas no GameFAQs veio a iluminação: Eu não preciso bater no Margit agora. O mundo é enorme, são pequenas cavernas, minas e castelos salpicadas pelo mapa inteiro, pra que seguir o caminho principal?
Correr pra que?
Inclusive, esse é o grande diferencial entre Elden Ring e os jogos de sua classe que o precederam – você não está amarrado a um caminho, a pontos fixos de progressão. O mundo é sua lagosta, e pra quem curtiu dar uma volta pelo Lago de Liurnia sabe que a lagosta pode chutar o seu traseiro com a maior facilidade do mundo. E, ao contrário das outras vezes, eu não me importei em ressuscitar as 999 vezes que morri, pois ir zanzar pelo mundo e ficar bom se tornou só o que eu queria. É minha motivação.
Hoje o monstro do backlog continua rugindo da prateleira. Ghostwire Tokyo e seus fantasmas estão prontos pra mim, eu não estou pronto ainda pra eles pois Liendell tá no meu caminho. Me apropriando também da imagem principal do filme Dr. Strangelove, cujo subtítulo adaptei de forma livre pro título desta crônica, resolvi sair montado na bomba atômica enquanto ela cai. E me divertindo por todo o caminho, nem que eu veja esses créditos rolarem só em dezembro. O que provavelmente vai acontecer, afinal o backlog urge e tudo mais…
*Dre Santos é Analista de Sistemas e trabalha na indústria de Games, assim como podcaster e cantor na Banda Gattai. Jogador single-player assíduo e multiplayer nas horas vagas.”
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