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Convicção e coragem: o discurso de Hernan Cortés, o conquistador

16/01/2023
Convicção e coragem: o discurso de Hernan Cortés, o conquistador | Jornal da Orla

Estou na Espanha desde 10 de janeiro.

Objetivo? Mais um curso de especialização em Direito pela renomada Universidade de Salamanca, que em seus 805 anos de história, é a quarta mais antiga do mundo ocidental e a mãe de todas universidade ibero-americanas.

Nesses séculos todos, muita gente importante na história ocidental estudou aqui. Um dos estudantes foi Hernán Cortés.

A despeito de alguma polêmica sobre suas ações, é inegável que ele foi um homem de grande bravura e que soube encarar desafios, superar dificuldades e vencer batalhas, figurativa e literalmente.

Todo bom profissional enfrenta desafios diários, alguns especialmente complexos e difíceis.

Para supera-los com êxito, muito aproveita o cultivo das virtudes cardeais (fortaleza, temperança, prudência e justiça), bem como perseverança, coragem, dedicação e comprometimento.

Quem supera desafios e faz o que é certo cresce em prestígio e admiração, promove o bem comum e conquista importantes espaços.

Cada profissional tem seu modo de encarar os obstáculos e de conquistar objetivos, motivando-se no enfrentamento das batalhas cotidianas.

Penso que um modo interessante de animar o espírito e o coração para a conquista de grandes objetivos é conhecer as biografias de homens e mulheres que deixaram marcas e sulcos na história.

O bom exemplo é sempre algo que fascina e empolga, gerando ondas de aquecido entusiasmo.

Por isso, proponho um olhar atencioso ao grande Hernan Cortés.

Reconheço que a figura de Hernan Cortés (1485 – 1547), aventureiro espanhol, conquistador do México, é polêmica e controvertida para aqueles que se pautam pelo revisionismo ideológico dos tempos atuais, mas isso em nada diminui minha sincera admiração, fundada sobretudo na sua coragem, no seu destemor e na sua invulgar capacidade de liderança.

Ele, afirmo sem receio, é alguém que tem muito a ensinar e que é digno de respeito.

Analiso-o levando em consideração o que os bons historiadores chamam de hermenêutica histórica, reconhecendo nele, portanto, as qualidades inerentes ao autêntico líder: coragem e comprometimento. Cortés tinha em seu peito o fogo ardente de quem não teme o desconhecido e enfrenta as adversidades com a bravura que costuma anelar os vitoriosos.

O exemplo de Cortés, seu espírito guerreiro, suas condutas destemidas no passado, ensinam lições preciosas para nós todos, lições que podem e devem ser utilizadas nos nossos respectivos cenários profissionais e em muitos outros aspectos das nossas vidas.

Talvez a maior lição que Cortés nos ensina é o do comprometimento corajoso com o ofício, a ponto de não poupar a vida se necessário for.

Por doação da vida, entendamos a determinação de não poupar esforços para a superação de obstáculos e a conquista de objetivos.

À frente de apenas 400 compatriotas espanhóis, com 12 cavalos, 32 escopetas e quatro canhões, contando com apoio de algumas tribos indígenas do planalto mexicano, ele enfrentou e derrotou 15 mil astecas.

Sim, isso mesmo: 15 mil inimigos tombaram diante de um punhado de homens guiados por Cortés.

Os astecas eram guerreiros contumazes e ferozes, homens ávidos por sangue humano em reiterados rituais pagãos em que jovens mulheres virgens e prisioneiros de outras tribos eram impiedosamente sacrificados.

Cortés e seu bando de irmãos não enfrentaram um inimigo qualquer, mas homens talhados pela cunha da violência.

Armados com inabalável fé na Verdade e com a coragem que só os bravos de espírito costumam ter, os espanhóis derrubaram o Império

Asteca e conquistaram a região para a Coroa Espanhola.

A vitória só foi possível, dizem os cronistas, porque antes, após uma noite de vigília e oração, Cortés inflamou os espíritos de seus homens com um discurso apaixonado, direto, banhado em figuras visceralmente emocionais.

Seu discurso, dramático, exortativo, é um brado de coragem, um dínamo de convicção e de fortaleza, capaz de acordar os mortos e comover o mais apático dos homens.

Ei-lo:

Soldados de Espanha! Antes de tudo há que lutar!
As caravelas, mandei-as afundar, para não terdes qualquer veleidade de voltar. Há que lutar com as armas que tendes à mão. E se vo-las romperem em violento combate, então há que brigar a socos e pontapés. E se vos quebrarem os braços e as pernas, não olvidei os dentes. E se havendo feito isso, a morte chegar, mesmo assim não tereis dado a última medida de vossa devoção, não! É preciso que o mau cheiro de vossos cadáveres empeste o ar e torne impossível a respiração dos inimigos de Espanha.
Avante, por Deus e por Santiago!

Vê-se que Hernan Cortés não pensou duas vezes em dar à própria vida à causa maior, inspirando positiva e determinadamente os espíritos dos seus comandados. Diante do inimigo numeroso ele não se acovardou, mas, ao contrário, agigantou-se, transformando uma situação manifestamente adversa em pura motivação. Cortés literalmente transformou o pranto em dança e onde qualquer um teria enxergado derrota e morte, ele viu vitória e vida.

Especialmente relevante a parte final do discurso, pois Cortés conseguiu inculcar em seus subordinados a convicção de que suas vidas, se tomadas pelos inimigos, não seriam dadas em vão, mas destinadas à maior glória de Deus e de sua nação, então a mais importante do mundo.

Cortés mostrou aos seus homens que mesmo mortos poderiam servir devotamente ao verdadeiro Deus e a pátria, pois até o mau cheiro exalado de seus heroicos cadáveres seria muito útil, porque empestaria o ar dos inimigos, causando-lhes a queda final.

Que imagem poderosa se fez registrar pelo discurso nos corações daqueles homens de ferro: nem mesmo a morte impediria que cada espanhol cumprisse sua missão e derrotasse o inimigo pagão e violento.

Cortés não prometeu aos seus homens prêmios, delícias, bens; não, ele apenas mostrou o caminho a ser seguido, absolutamente acidentado, cruel, mas que os levaria à glória final. Sim, um caminho pontilhado de sofrimentos e adversidades críticas, porém inevitável e destinado aos grandes vencedores.

Cortés fez com que cada homem lutasse não em benefício próprio, mas em homenagem a algo maior, em muito superior ao “eu”, ao individualismo.

A meta de cada um haveria de ser, como de fato o foi, a defesa da Espanha, então, naquele lugar, legítima porta-voz da Verdade.

Aqueles homens até poderiam ter sonhos de tesouros e riquezas, mas certamente não foram movidos por isso e, sim, pelo senso de dever.

A glória de Deus, o triunfo do Reino e a vitória sobre os inimigos eram os objetivos de Cortés, os alvos a serem atingidos por seu pequeno e corajoso exército. Longe de ser quixotesco, para ficar noutro exemplo espanhol, Cortés foi brilhante, foi destemido, foi altruísta, porquanto deixou de lado o “eu” e colocou em primeiro lugar o “nós”, com objetivo de defender o “eles”, ou seja, cada pessoa do reino espanhol.

O discurso de Cortés ensina exatamente isso, o verdadeiro espírito do guerreiro, a essência do indivíduo convicto de um nobre ideal e determinado a alcançá-lo, sem poupar esforços, sem perder tempo com lamentações ou temores, sem espaço para a tibieza. Um discurso que reclama meditação e convida a cada um vencer suas próprias limitações e fraquezas.

Espero que a discurso de Cortés, extraído do Livro 100 Discursos Históricos (Editora Leitura, Belo Horizonte, 2002), de Carlos Figueiredo, possa ser útil ao amigo leitor, uma ferramenta para as lutas difíceis do cotidiano.

Ao aproximar da quadra final do ano, acredito ser relevante um balanço dos erros e dos acertos para a correção de rumo e a abertura de boa perspectiva para o futuro imediato. Para tanto, na melhor do que o exemplo de quem venceu o improvável para injetar aquela dose a mais de força na musculatura do nosso espírito.

De Salamanca, 14 de janeiro de 2023.

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