
A internação de Francisco, o Papa, por problemas de saúde, escancarou mais uma vez a escalada do ódio nas redes sociais:
“Vou festejar muito o dia em que esse papa for para o inferno”.
“Espero que morra agonizando”.
“Todo sofrimento do mundo é pouco para essa desgraça”.
Um aspecto que merece análise nessas postagens é o da absoluta incoerência. Porque a maioria dessas manifestações raivosas vêm de cristãos. São pessoas que, teoricamente, aceitam o mandamento: “Ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”, que Jesus definiu como a essência de “toda a lei e os profetas”.
A conveniência atropela a consciência. Esse papa não condena gays e lésbicas, tira palestinos para se vingar das igualmente monstruosas atrocidades que o grupo terrorista Hamas comete contra israelenses. “Esse papa é comunista”. Então o fariseu cristão atropela a lei do amor, base da doutrina dele, para escancarar o ódio contra quem tem um pensamento político diferente.
O fenômeno está onipresente. Nas eleições do ano passado, o candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, recebeu 1 719 274 votos, 28,14% dos válidos. De cada 100 eleitores que escolheram candidato, quase 30 optaram por aquele que lançou acusação comprovadamente falsa de vício em cocaína ao adversário, que levou cadeirada em público num debate por provocação e deboche, que tem no currículo uma condenação por fraude e o abandono de um grupo de turistas em situação de risco provocada por ele.
“Ah, mas ele é contra o Boulos, que eu odeio”.
A validação do que a gente sabe que é torto acontece desse jeito, pela conveniência. É coisa do nosso tempo. Há algumas décadas, Lula não seria nem o candidato do PT depois de ter sido condenado pelas obras de graça no sítio e no triplex.
Ah, mas ele é a única opção contra o Bolsonaro, que eu odeio”
Assim como Trump também não seria nem o candidato republicano nos Estados Unidos depois de condenado por subornar com dinheiro arrecadado em campanha o silêncio de uma ex-atriz pornô sobre um envolvimento sexual que tinha tido com ele.
“Ah, mas ele vai expulsar os imigrantes que eu odeio”.
Neste século 21, das redes sociais, Lula e Trump não só foram candidatos como ganharam as eleições.
O auxílio luxuoso da Psicologia explica esse rendimento ao comprovadamente errado: ele acontece quando o eixo de limites da pessoa é frouxo, ou pior ainda, quando está fora dela mesma, quando ela é conduzida pela pressão da maioria e se deixa levar pela boiada.
Trata-se de uma perda de identidade. São os limites que definem a identidade. Se você visualiza o mapa com as fronteiras, imediatamente identifica o Brasil. A fronteira é o equivalente geográfico do limite da personalidade. Aquele mapa do estado com retas horizontais e inclinadas faz com que a gente reconheça imediatamente São Paulo.
E os limites mais importantes são os éticos.
A validação do torto representa assim, a transformação dos limites daquela pessoa em linhas flexíveis, frouxas, indefinidas: o primeiro passo para a perda da identidade.
Deixe um comentário