
A lguém dirá que a enxurrada da véspera foi preparação da ressurreição. A Páscoa começou com arco-íris e muita gente fez penitência diante de garagens inundadas. Mas apesar das surpresas da natureza, um domingo sagrado se repete para ressurreição das famílias.
Escolho o restaurante. Hoje é dia tradicional em que as famílias ressuscitam também. Quando criança, festejar a Páscoa era acordar cedo para seguir os rastros do coelhinho e encontrar os primos na casa da avó
Agora restaurantes são templos que, além da gastronomia, oferecem praticidades sem exigir tanta intimidade entre seres que pouco têm em comum.
Famílias crescem, agregados também. E estes costumam não suportar por mais de duas horas as idiossincrasias das famílias.
Não sei o que seria de algumas não fossem providenciais datas a resgatar laços que nem sempre se tem.
Chega um casal com uma criança, empolgado com o reencontro dos que já estão à mesa. Chama minha atenção, tal a incomum alegria no salão.
À minha frente nove pessoas escolhem o cardápio. Começo a traçar a geometria parental. A matriarca está na ponta e pouco se manifesta, o que não é comum, à frente de uma neta absorta em seu celular.
Vou desenhando triângulos imaginários. Seria o casal idoso com prole de um filho e uma filha, já maduros, com seus respectivos agregados e os netos?
Dois homens, frente a frente, atualizam entre si seus feitos que possam interessar a simples cunhados distantes.
A moça próxima à senhora certamente é filha, vejo pelo perfil aquilino do nariz, comum também à menina do celular, não bastasse o fato de que normalmente a filha se senta próxima à mãe para sua assistência.
A outra mulher, certamente nora, ocupa-se na outra ponta de cuidar para que a filha adolescente coma bem.
A jovem, essa sim, lembra-me a infância. Parece animada conversando com o primo, de nariz aquilino também, que está a seu lado.
Os adolescentes costumam formar tribos ainda que momentâneas.
Vinte minutos são suficientes para todos se servirem e, não por estarem incomodados da fila à porta do restaurante, logo trataram de pedir a conta, rachada em três entre o idoso, o filho e o genro.
E todos encerraram o encontro pascal, rumando para a abarrotada porta. Não sei para onde vão. Dois minutos depois não se vê vestígio da família que, certamente, efusivamente se abraçou, disse do prazer de rever a todos, e se foi.
No restaurante, outras famílias fazem a sua ressurreição, como a repetir a Santa Ceia, numa demonstração de que Jesus está vivo em todo lugar, ainda que num restaurante.
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