
Tenho uma vaga compaixão dos moradores do interior e dos sertões. Em um dia de minha infância, quando estávamos à mesa do jantar, sob a luz cálida de um tardio anoitecer de verão, despertamos para a voz de meu tio, forasteiro chegando em visita inesperada.
Ele se anunciou no portão de casa entoando a música e o verso de uma moda sertaneja que, muito mais tarde entrou na intimidade do país inteiro na voz de Chitãozinho e Xororó: “Eu não troco o meu ranchinho, marradinho de cipó, pruma casa na cidade, nem que seja bangaló; eu moro nesse deserto, sem vizinho eu vivo só, só me alegro quando pia lá pra aqueles cafundó, é o inhambu-chintã e o chororó“.
Meu tio achegou-se brandindo saudades denunciadas em seus olhos úmidos e assentou-se à nossa mesa, como antigamente. Vinha do interior, para onde tinha ido com a família, há alguns anos, empurrado pelo destino.
Naquele dia tatuou-se em minha alma a nostalgia que não me abandonou nunca mais e se acentua quando percorro paisagens do interior, em cenários de sítios e fazendas, montanhas e planícies onde se estende o chão deste meu País.
Há quem se sinta liberto nas entranhas do campo, vendo a unanimidade de estrelas do céu, sentindo os aromas da terra bruta, de folhas, frutos e currais, e ouvindo a sonoridade dos pássaros, quando cai a tarde.
Eu, animal praieiro, que dentro do meu sangue trago o sal do mar, tenho meus olhos inundados de azul, e em minha alma as areias do José Menino, vejo-me confinado, sem norte, e sem horizonte, quando vou ao interior.
Nesta semana, sentado no velho paredão de pedra junto do Canal 1 – onde, quando menino, eu me deixava ficar em longas contemplações oceânicas – tive o sentimento da eternidade. A mesma areia, o velho mar, as ondas branqueando o azul, o largo horizonte estendido muito além do longe onde meus olhos alcançam, o mesmo cheiro da praia que me impregna a pele, os ossos e músculos, e o meu espírito antigo, um teimoso aprendiz a imitar o mar insubmisso.
Olhei os meninos de agora a jogar futebol à margem do canal, e revi neles meus amigos de infância, cujas pegadas ficaram esculpidas no chão de areia para sempre. Ali, terminado os jogos, de peito nu e pés descalços, corpos marejados de suor, e negros de sol, íamos como animais selvagens e inocentes, ao encontro do mar.
Passaram gerações, muitos partiram para sempre, outros permanecem presentes apesar dos desencontros, mas continua ali a imagem de minha praia, de minha infância, de minha vida, de meus sonhos alcançados e desfeitos, e de minhas ilusões e inocências que o mar arrebatou e levou ao fundo.
Estou ali, na contemplação dessa manhã, e me vejo como um velho barco, nau de piratas, veleiro de velas brancas, jangada que não vai ao fundo, canoa sem rumo, navio fantasma, casco encalhado na areia, mastro solitário sobre a tona denunciando tantos naufrágios, mas insistente batel que teimosamente flutua navegante, e apesar de suas velas rotas, sempre traz de volta a mim mesmo, como o velho sobrevivente da barca de Gleyre.
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