O tempo atual supervaloriza a paixão. Fala-se dela como se fosse algo fundamental para triunfos, conquistas, êxitos.
Ouço com frequência a palavra paixão como a medida da vitória em qualquer atividade.
Sua invocação é frequentemente feita na advocacia, na gastronomia e nos meios corporativos e esportivos.
Discordo veementemente! A paixão tem sua importância na alquimia do triunfo, mas não é o elemento principal a ser posto no cadinho da vitória.
A eficiência não depende da paixão e muita coisa boa é feita sem seu influxo. Ou melhor: normalmente, o que é bom é feito sem paixão.
A disciplina, a estratégia, a organização, o talento, a seriedade são muito mais importantes do que a paixão. Digo enfaticamente: muito mais importantes!
Não raro, até mesmo a sorte conta mais que a paixão. E sabemos que quanto mais trabalhamos, mais aumentamos os espaços para a sorte, não?
Exemplo histórico de sucesso sem paixão: AS LEGIÕES ROMANAS.
Elas não eram apaixonadas, mas disciplinadas, bem treinadas, organizadas e, por isso tudo, muito eficazes e quase imbatíveis.
O Império Romano organizou o primeiro exército profissional e regular do mundo e o fez com uma excelência fundada na disciplina, não no sentimentalismo.
Os legionários treinavam todos os dias e quando não estavam em campos de batalha, construíam estradas, fortes, paliçadas, aquedutos.
Estavam sempre em movimento e em contínuos estados de alerta e de obediência.
Os bárbaros da Germânia e da Bretanha lutaram com paixão contra os romanos. Eles defendiam suas terras, suas posses, suas crenças, suas famílias, por isso colocavam os corações em cada investida contra o inimigo.
Essa paixão furiosa não lhes bastou. Alguma vitória aqui, acolá, mas invariavelmente a sucumbência diante das poderosas e bem-treinadas, profissionais, legiões.
A paixão, como quase sempre desordenada, era como a chama na palha seca: ardia rápida e fortemente, mas se apagava com a mesma rapidez.
A paixão elevava “o moral” dos guerreiros bárbaros, impelia-os à luta, dominava seus músculos e nervos nos primeiros instantes de cada batalha, mas logo se esvaziava diante da realidade, a poderosa e eficiente máquina de guerra romana.
Os bárbaros imantados de paixão urravam, cantavam hinos de guerra, faziam caretas assustadoras e, em meio a essa catarse coletiva, até causavam alguns estragos.
Não obstante, tão logo recuperados da surpresa inicial, o treinamento dos legionários gritava mais algo e ele era a encarnação do flagelo e impunha aos bárbaros derrota atrás de derrota.
A paixão inicial dos destreinados e indisciplinados se convertia em medo e torpor. A tecnicidade romana vencia a paixão bárbara, invariavelmente.
Gostamos de falar da paixão e a incensamos com frequência, mas não podemos nela nos fiar para nada, senão como espécie de estopim inicial de algum projeto, um sopro sobre o ânimo, nada mais.
Comprometimento não é paixão, mas canto do amor à verdade e o que nos impulsiona ir além das adversidades e das nossas fraquezas.
Particularmente, fico triste quando, após algum êxito, alguém, inegavelmente em boa-fé, acreditando agradar, seduzido pelo senso-comum, diz “você é apaixonado pelo que faz”. Por cortesia e elegância sorrio, mas por dentro penso: “eu não sou apaixonado pelo que faço, nem um pouco aliás. Eu apenas sou esforçado, cumpro meu dever e conto com a proteção do Alto, nada além, nada aquém”.
É muito triste resumir a complexa aritmética do sucesso ao campo raso da paixão, que obviamente não é algo ruim, muito pelo contrário, mas que é incompreensivelmente superestimado, tratado de forma hiperbólica.
O que a história nos mostra é que a paixão sempre cede à eficiência, ao rigor disciplinar, ao esforço e até à sorte, que normalmente sopra nos rostos dos mais esforçados e talentosos.
Penso que se for para atribuir ao êxito algo realmente poderoso, que seja a fé, não a paixão.
Um homem sem paixão, mas imerso em valores e comprometido sinceramente com alguma coisa, veraz e boa, consegue mais do que um exército de apaixonados.
Repito: não sou eu quem afirmo isso, mas é a história que nos mostra.
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