
O policial estuda nas fotos da cena do crime a posição do corpo da vítima e percebe um detalhe que produz uma reviravolta na investigação e leva à prisão do assassino. Ou então o perito criminal percebe no estômago da pessoa morta uma substância aparentemente inofensiva mas fatal para uma síndrome rara.
Investiga o prontuário médico da vítima e bingo: ela tinha aquela síndrome: foi envenenamento.
Você já assistiu a cenas desse tipo. Provavelmente em filmes e séries dos Estados Unidos ou do Reino Unido. Com certeza absoluta, a produção não era brasileira.
O policial é filmado por uma aposentada recebendo propina de traficantes numa ladeira.
Você pode nem ter assistido a essa cena no filme Vitória. Mas tem 100% de certeza: essa produção, sim, é brasileira.
Verdade: ele é major da PM do Rio.
Nem sempre foi assim. Já tivemos no Brasil um seriado, Vigilante Rodoviário, em que o policial era dedicado, corajoso, gentil e competente.
Faz alguns meses, um policial militar de São Paulo, com esse mesmo perfil do Vigilante da TV antiga, passou para a reserva como major. No momento de protocolar a aposentadoria, encontrou um rapaz de 29 anos pedindo baixa, desiludido com a carreira.
Não é mesmo fácil manter o encanto pela profissão, admite o veterano para o novato. O clima organizacional da PM de São Paulo é arcaico. E o PM se torna alvo permanente do crime organizado onde a morte de um policial representa valorização e reconhecimento para o assassino.
O policial que pedia baixa, contou que, recém-casado, nunca conseguiu ser ouvido na corporação sobre uma transferência para Itanhaém, onde mora com a esposa.
A mesma Itanhaém em que morava o ator Carlos Miranda, o Vigilante Rodoviário, recentemente falecido.
O retrato de herói dos agentes retratados em língua inglesa têm embasamento real.
Nos Estados Unidos, com 340 milhões de habitantes a média anual de assassinatos fica em torno de 22 mil por ano.
E em 65% deles, os criminosos são identificados pelos investigadores e punidos.
No Brasil, com pouco mais de 210 milhões, essa média fica perto de 45 mil por ano. Mais que o dobro. É só 8% desses crimes tem os autores revelados pela policia e pelo Ministério Público.
Ao contrário da nossa auto-imagem de cordiais e espertos, somos muito mais violentos na hora de cometer assassinatos e muito menos competentes na hora de investigar.
Talvez essa violência toda, principal preocupação dos brasileiros neste século, tenha raiz exatamente nesses números.
Nos Estados Unidos, quando alguém pensa em matar, sabe que em 65% dos casos, vai ser descoberto e punido. No Brasil, ao contrário, quem mata tem 92% de chances de não ser descoberto.
Por isso o desencanto do jovem policial militar que pedia baixa. Por isso nós não tenhamos policiais heróis nem nas novelas de televisão.
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