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A florista e o poeta

03/05/2025 Luiz Dias Guimarães
A florista e o poeta | Jornal da Orla

Ser florista é apostar no encanto, pensou o poeta ao vê-la entrar com os braços envoltos nas rosas, três ramalhetes, cada um de uma cor. Branco, rosa e vermelho. Precavida a florista, abastecida para diferentes graduações do amor.
Seus cabelos claros de primavera combinavam com seu sorriso e olhos de luz e, por mais que ninguém quisesse rosas comprar, a oferenda era sempre a mesma, em tom suave como as pétalas.

Era noite perdida para o poeta, que apenas queria se alimentar naquele bar de algazarra, chope e telas de futebol. Não importa para a florista, há maneiras e maneiras de a uma mulher agradar, acreditava convicta, até porque era dessa crença que se sustentava.

A florista ofereceu seu serviço ao poeta, que teve o ímpeto de argumentar: “Para quem eu daria tão belas flores, se não fosse a você que já as tem?” Seria a mesma fala de todos os perdidos, ridículos a apelar à sorte, que não o brindou com boa companhia. “Tu acreditas mesmo no poder da flor?”, perguntou o poeta. “Se não acreditasse não haveria mais fantasia nem do que sobreviver”, respondeu a moça, segura do seu ofício.

“Mentira que a flor conquista”, retrucou o poeta.

“Quando jovem – disse ele – costumava enviar flores a quem me atraía. E nunca me resultou em conquista. Já não envio flores, elas apenas alegram quem as recebe sem conquistar pelo gesto, e acabei concluindo que de nada valiam, tampouco para quem já dispunha por companhia, e portanto não precisaria a estas impressionar”.

“Talvez por isso esteja só neste bar, caro poeta. Esqueceste de que o amor é como a flor, que se há de regar para que não morra”.

O poeta, então, para escapar da invertida, perguntou: “Falas com que experiência, a da amada que não recebe a flor, a da dama que a recebe mas a tem que comprar para revender?”

“Não”, respondeu a florista: “Falo como quem sempre a desejou mas sempre foi traída por quem a dava a outra companhia em noites como esta onde os casais ocupam o tempo, ainda que em situações diversas”.

O poeta olhou ao redor e analisou três casais. Nenhum brindava com vinho e troca de olhar. Apenas socava caranguejos com ar de cansaço de tanto martelar para ocupar a noite.

Um casal não parecia que necessitasse da rosa branca, a paz era em solitária demasia.

O segundo eram dois idosos a quem a rosa de mesma cor não conteria o tom da juventude apaixonada.

E o terceiro eram marido e mulher, em cuja mesa as rosas vermelhas se confundiriam com o próprio caranguejo que não paravam de massacrar, enquanto o homem, com euforia, gritava a cada lance do time pelo qual torcia, mais que pela de sempre companhia.

O poeta, então, parou de mexer os dedos e entregou à florista uma flor de guardanapo, em que riscara versos. E a florista, encantada, admitiu. “Esse é o sentido da flor, sua entrega”.