Significados do Judaísmo

Nosso Sábio Ritual de Luto

04/11/2021
Nosso Sábio Ritual de Luto | Jornal da Orla

Várias religiões do mundo têm seus rituais de luto e o judaísmo não é diferente.
 
A sabedoria do judaísmo ao nos acompanhar por todo o processo de amargura é essencial para entendermos como podemos achar conforto.
 
Nossa tradição define vários estágios no processo de luto, que correspondem muito bem à compreensão moderna do processo emocional do luto.
 
O Judaísmo não se esquiva de encontros íntimos com a morte, mas os enquadra ritualmente. Muita atenção é dada em tratar os mortos com respeito (k'vod ha-met) e confortar os enlutados (nichum aveilim).
 

O período desde o momento da morte até o enterro é denominado aninut (tristeza e choque profundos), e um enlutado – pais, cônjuge, irmãos ou filhos – neste estágio é denominado onen. 
 
O Onen não tem obrigações religiosas, exceto atender às necessidades práticas de providenciar o funeral. O entendimento judaico é que um onen não pode se concentrar em nada além da questão imediata do sepultamento, e não se deve esperar que seja capaz de quaisquer observâncias rituais, mesmo aquelas que poderiam ser realizadas em uma base diária (como recitar o Shemá).
 
O corpo é preparado para o sepultamento com grande cuidado pela Chevrá Kadishá (a sagrada sociedade funerária), incluindo a purificação ritual (tahará). 
 
A tarahá é a maneira milenar judaica de mostrar respeito pelos mortos. Isso não é meramente um "antigo costume" ou uma "bela tradição", mas uma exigência absoluta da Lei Judaica.
 
“Assim como um bebê é lavado e entra no mundo limpo e puro, também deixamos o mundo limpo pelo ato religioso de tahará”.
 
Os judeus não são enterrados com as roupas que usaram durante suas vidas. Em vez disso, são vestidos com tachrichim, roupas fúnebres brancas simples. Isso nos lembra que não importa quantas bênçãos materiais alguém acumule durante a vida, somos todos iguais na morte. Além disso, os tachrichim nos lembram que, quando deixarmos este mundo para o outro, não podemos levar nenhum de nossos bens terrenos conosco.

Na conclusão de sua missão, o chefe da Chevrá Kadishá diz, em voz alta, para que os mortos e os vivos ouçam, citando o nome do/a falecido/a: tudo o que fizemos é para sua honra. E se não tivermos feito nossa tarefa corretamente, imploramos seu perdão. 
 
No período que antecede o funeral, o falecido não é deixado sozinho.
 
Na tradição judaica, o enterro deve acontecer o mais rápido possível após a morte. O caixão deve ser simples para mostrar igualdade e a cerimônia do enterro ocorre em um cemitério, não em uma sinagoga.
 
Os funerais judaicos tradicionais são muito simples e geralmente relativamente breves. Antes de começarem, os parentes imediatos do falecido realizam a kriá.
 
Kriá é uma palavra hebraica que significa “dilacerar”. Refere-se ao ato de rasgar um pedaço da roupa. Essa dilaceração é uma expressão impressionante de pesar e raiva pela perda de um ente querido.
 
Kriah é uma tradição antiga. Quando o patriarca Jacó acreditou que seu filho José estava morto, ele rasgou suas vestes. Também, recitam "Baruch atah Hashem Elokeinu melech haolam, dayan ha’emet", Bendito sejas, Senhor nosso Deus, Governante do universo, o verdadeiro Juiz. 
 
Uma versão mais curta da mesma bênção é recitada por todos os que testemunham ou ouvem sobre uma morte: “Baruch dayan emet,” Abençoado seja o único Juiz verdadeiro.
 
O funeral tem um pequeno número de elementos litúrgicos fixos, incluindo a oração curta El Maleh Rachamim (“Deus cheio de compaixão”), e geralmente inclui salmos e hesped, (discurso fúnebre de homenagem ao falecido) e inclui a recitação de uma versão especial da oração do Kadish, considerada a "oração do enlutado". 
 
Então, os enlutados e amigos acompanham o caixão até o local da sepultura, num ritual chamado de levaiá (acompanhamento). Aliás todos o processo do enterro chama-se levaiá. 
 
No local da sepultura, as pessoas participam cobrindo o caixão com terra. 
 
O som da terra caindo sobre o túmulo é um som triste e chocante, lembrando realmente que a pessoa se foi.
 
Os enlutados saem primeiro e outros dizem a eles as palavras tradicionais: “Ha’makom yenahem etkhem betokh she’ar avelei Tziyonvi’Yerushalayim” Que Deus os console entre todos os enlutados de Tzion e Yerushalaim.
 
A prática judaica oferece recomendações muito específicas para a reentrada gradual na vida normal, indicando que o luto é essencial, mas a vida dos que ficam não pode se desestruturar.
 
Um dos sinais de luto é a barba, que os homens deixam de fazer. Quando perdemos alguém que nos é muito querido, nós nos “retiramos” da sociedade. Abatido pelo trágico golpe, o enlutado se abandona simbolicamente, descuidando da aparência pessoal. 
 
A primeira semana após o funeral é conhecida como shivá (literalmente, “sete”). Durante este período, os enlutados são tratados com o máximo cuidado e respeito. Suas necessidades são atendidas pela comunidade – tanto suas necessidades físicas, como refeições, quanto suas necessidades espirituais e emocionais. 
 
Durante este tempo, os enlutados permanecem principalmente em casa e serviços religiosos são realizados diariamente em casa, para que os enlutados possam recitar o Kadish.
 
No intuito de arrefecer a dor e reencontrar a vida, o próximo estágio do processo de luto é conhecido como shloshim (literalmente, trinta). 
 
O período é quando o enlutado retorna ao trabalho, mas ainda não está completamente de volta ao mundo. Esse luto contínuo é expresso evitando festas, shows e outras formas de entretenimento público.
 
Então, para aqueles que perderam um parente imediato, há um período de 11 meses de aveilut (luto), durante os quais o Kadish dos enlutados é recitado diariamente, em comunidade.
 
Um outro costume meritório é fazermos uma tzedacá. É o mandamento judaico traduzido muitas vezes, erroneamente, como caridade. Tem origem na palavra tzedek (justiça) sendo uma tradução mais precisa justiça social. É a obrigação que todo judeu tem de doar algo de si, caridade, trabalho ou conhecimento, para quem precisa. 
 
Existe uma obrigação tradicional de criar alguma forma de matzevá (“monumento”, geralmente uma lápide) para marcar o local da sepultura. A “inauguração” é uma cerimônia formal após a colocação da lápide.
 
A costume judaico de deixar pequenas pedras em uma sepultura é antigo e suas origens não são claras. É um costume, ao invés de um mandamento, e ao longo do tempo muitas interpretações foram oferecidas para essa prática.
 
Assim sendo, a sabedoria de nossa antiga tradição nos dá o apoio e a régua e o compasso para passarmos por esta experiência traumática sem que nos percamos no caminho.