As vezes eu sinto que as palavras não fazem jus ao que eu quero dizer sobre alguma coisa. É como se elas não conseguissem expressar, na limitação do que carregam de significado, a grandeza das coisas.
Essa semana quero voltar a falar sobre como os conceitos que criamos da coisas, acabam nos limitando em relação ao que experimentamos. Os rótulos que damos às coisas, as definem conforme os contornos do que já conhecemos e isso nos bloqueia a aprofundarmos no que esse objeto poderia ser para além do que já sei! Nos falta humildade, e com isso vamos nos relacionando de maneira superficial.
Vou propor um exercício de reflexão. Por exemplo, uma árvore, o que você entende por árvore? Pegam gás, transformam em oxigênio. Só a forma delas trabalharem a energia já é o inverso dos seres humanos. Já parou para imaginar a forma como ela experiência o mundo? O que representa para o planeta? Escreveram um livro sobre a Vida Secreta das Árvores, elas tem toda uma rede de comunicação própria, hierarquias, umas ajudam a nutrir as outras. Nos dão frutos, servem de abrigo a diversos animais, oferecem sombra.
Todos os seres, e amplio aqui o conceito de seres para todas as possíveis formas com as quais a gente pode se relacionar, seja algo ou alguém, como uma planta e até, por que não, uma montanha ou o vento, trazem toda uma profundidade em si mesmos que, ao nos mantermos apenas nos conceitos superficiais sobre eles, perdemos a chance de abrir nossa visão para toda uma gama de novas maneiras de perceber a Vida.
Vamos tomar por exemplo um cachorro. Quero trazer eles, pois são mais fáceis da gente se identificar. Quase todo mundo ama um cachorrinho. Mas eles não são só pets fofinhos, ou bravinhos, que nos fazem companhia e comem nossos sapatos. Eles tem capacidades e habilidades tão diferentes da nossa humanidade que algumas raças conseguem, por exemplo, farejar uma gota de sangue em uma piscina olímpica. Vamos parar para pensar nisso? O quanto o mundo deles não é de fato diferente do nosso? Eles tem outros estímulos, recebem outras informações sensoriais, a realidade para eles é outra. Tem cachorro que sente cheiro de doença! Eles não ligam se um cheiro é ruim ou bom, eles cheiram, pois é a forma deles se relacionarem com o mundo.
Vamos imaginar agora um Girassol. É, um Girassol, que enquanto ser vivente desse planeta também tem capacidades e habilidades completamente diferentes da nossa humanidade. Além de lindos, são cultivados há milhares de anos pelos povos nativos para alimentação. Podemos fazer o óleo de cozinha e biodiesel com ele. Então possui grande capacidade energética. Ah! Uma pequena frustração que tive nesses dias foi descobrir que eles só seguem a luz do Sol a medida que este atravessa o céu, antes da inflorescência. É outra relação com o mundo para eles.
Matthieu Ricard, considerado através de um estudo “o homem mais feliz do mundo”, outro dia falou que os homens estão craques em criar dissertações, estudos sobre as mais diversas coisas, sem de fato ter tido a experiência íntima de se relacionar com aquilo. Ele cita o mel, alguém pode fazer um estudo detalhado sobre o mel, aprender suas propriedades terapêuticas, mas só quando ele for na colmeia e abrí-la, tocar, perceber sua textura, aromas e sabores que poderá entender o que realmente pode vir a ser o mel. Pode vir a ser porque, mesmo assim, isso só se dará a partir de sua própria maneira de compreender esses estímulos. Sempre será uma parte e não o todo. As abelhas com certeza tem outra ideia sobre mel.
A nossa sociedade nos estimula a acumular conceitos, conhecimentos. Absorvemos experiências dos outros, acreditamos no que nos falam, vamos nos apropriando com tanta força que chegamos a brigar por conceitos emprestados. Eu acredito que em algum grau, também passamos a acreditar que este acúmulo pode nos ajudar a preencher um certo vazio que sentimos, e queremos nos sentir completos, pertencentes, não queremos ficar para trás. Mas é somente aprofundando em si mesmo, aos conceitos que da para si, e aprendendo a desconstruir e ressignificar muita coisa, que vai conseguir se reconhecer completo, e reconhecer a sua própria maneira de se relacionar com a Terra.
Vou fazer mais um convite aqui, imagine aquele cara que você acha um mala, um vizinho talvez, que toca música que você não gosta alto no domingo a tarde, quando você só quer descansar. Então, ele também tem características e habilidades que fazem o mundo dele ser completamente diferente do seu. Os valores, a história, a educação, tudo no mundo dele é diferente. E nós não temos como dizer que a nossa maneira é melhor do que a do outro, porque afinal, tudo é relativo.
Se aprendêssemos a nos relacionar a partir desse grau de compreensão, aceitaríamos e viveríamos muito menos ligados à essa cultura da violência e do consumo dos recursos que a gente está vivendo. Nosso pertencimento iria se expandir a todo o sistema.
Saberíamos que a raça humana não é superior aos outros seres, e isso nos faria conviver mais harmoniosamente com o planeta. Permitiríamos, sem julgamentos, outros estilos de vida que sejam diferentes do que aquele que escolhemos viver.
É a beleza da diversidade. E ao entender a minha liberdade em ser quem eu sou, e sendo capaz de delimitar o espaço que quero ocupar, eu posso permitir ao outro a liberdade dele ser quem é, sem interferir no seu espaço.