
O comportamento sexual dos brasileiros se assemelha ao praticante de uma roleta russa. Apesar dos alertas para a importância do uso do preservativo, os dados das autoridades de saúde indicam que os avisos têm sido inúteis e o número de pessoas infectadas com o vírus da Aids vem aumentando numa escala assustadora.
Não bastasse isso, o grande problema é a quantidade de gente que desconhece ser portadora do vírus HIV e, portanto, não inicia o tratamento e continua a contaminar outras pessoas.
Situação exemplar é a de Santos, cidade tida como referência no combate a Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Do começo do ano até 1º de novembro, foram diagnosticados 116 novos portadores do HIV- praticamente um caso a cada três dias. O cenário já seria aterrador se fosse só este. Mas o infectologista Ricardo Hayden, que acompanha o combate à doença desde a sua identificação, alerta que, para cada caso oficialmente confirmado, existam entre 7 e 10 pessoas que são portadoras do HIV e não sabem.
Para o infectologista Marcos Caseiro, outro especialista de referência quando o assunto é Aids, o problema está relacionado eminentemente ao comportamento sexual das pessoas. "Elas não estão se precavendo, estão fazendo sexo sem preservativo", diz, taxativo. Ele argumenta que uma prova definitiva disso é o aumento do número de casos de outra doença, a sífilis, que é transmitida quase que exclusivamente pela via sexual. “Tivemos um aumento de três a seis vezes, dependendo da faixa etária. Entre indivíduos acima de 60 anos, tivemos um aumento de 2,6 vezes”, informa. “Se aumentou a sífilis, as outras DSTs também, inclusive o HIV. O problema é que o indivíduo com HIV pode ficar assintomático por muitos anos”.
Mais casos entre jovens
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 2010 e 2016 houve uma redução de 11% no número de novos casos de Aids no planeta. No entanto, no Brasil ocorreu o inverso: no mesmo período, a número de novos casos aumentou 3%. Os especialistas atribuem a situação à falta de conhecimento dos impactos da Aids. "Verificamos um aumento de casos entre homens de 15 a 24 anos, são indivíduos que não viram os doentes com aspectos cadavéricos, como o cantor Cazuza", lembra Hayden.
Caseiro aponta uma certa negligência destes indivíduos. "70% dos infectados têm pelo menos o ensino médio, muitos possuem curso superior. Então, ignorância não é", declara. Ele avalia que estes jovens subestimam o impacto da doença e creem em falsas expectativas, como a de que "não vão pegar" ou de que "se pegar, tem remédio". Para Caseiro, é um grande equívoco, pois o tratamento gera diversas reações no organismo, principalmente no seu início, "e é para o resto da vida, fica escravo dos remédios", lembra.
Chefe do Departamento de Vigilância em Saúde de Santos, Ana Paula Valeiras reforça: "Nos últimos anos, a infecção por HIV em Santos se deu na maior parte em adultos jovens, com boa escolaridade. Em algum momento da vida, ouviram falar em HIV, Aids e medidas preventivas, como o uso de preservativos".
Segundo ela, diante do número de casos nesta faixa etária, se torna ainda mais necessário aliar educação e saúde, "de forma que os estudantes se tornem multiplicadores de informação, seja com os seus amigos ou familiares", declara. Ela cita o programa Santos Jovem Doutor, desenvolvido em parceria com a USP, no qual participam alunos dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, em ações de prevenção e promoção da saúde, com o uso de computação gráfica, imagens tridimensionais do corpo humano e educação à distância, entre outras.
Comportamento de risco
Segundo Marcos Caseiro, a estimativa é que 0,6% da população seja portadora do HIV, mas em alguns subgrupos populacionais a incidência da doença é maior: 11% dos homens que fazem sexo com homens estão contaminados, assim como 5% das prostitutas e 5% dos usuários de crack. No entanto, ele salienta que não se pode falar de "grupo" de risco, pois o correto é "comportamento" de risco. Se o homossexual usar preservativo na relação com seu parceiro, certamente não haverá transmissão do vírus", exemplifica. Por outro lado, o contágio em uma relação heterossexual pode ocorrer se não houver a devida prevenção.
Diagnosticar o quanto antes
Assim como é fundamental ter um comportamento que evite o risco de contágio, também é fundamental o diagnóstico da infecção. "Muitas pessoas não fazem o teste simplesmente com medo do resultado. É justamente o contrário. Quando antes detectar o HIV, maiores são as chances de o paciente levar uma vida com qualidade", afirma Hayden.
Existe uma diferença muito grande entre ser portador do HIV e ter Aids. Caso não receba tratamento, a pessoa infectada pelo vírus ficará com seu sistema imunológico debilitado e, aí sim terá a doença. A terapia, baseada na ingestão de poderosos medicamentos, controla a multiplicação do vírus e impede que a síndrome se manifeste.
O Ministério da Saúde desenvolve a campanha Fique Sabendo, com a realização de testes de detecção gratuitos. Além disso, as redes municipais de saúde oferecem os exames durante o ano inteiro. O resultado do teste é obtido rapidamente e, caso dê positivo, é realizado outro exame, mas apurado, para confirmar o primeiro resultado.
Em caso de positivo para HIV, o paciente imediatamente é inserido no serviço e inicia tratamento com medicamentos antirretrovirais e acompanhamento psicológico.
Reforço no combate ao HIV
Santos foi incluída pelo Ministério da Saúde no rol dos 35 centros que irão dispor da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), a partir de fevereiro de 2018. A PrEP é uma nova forma de prevenção ao vírus HIV por meio da ingestão de medicamentos antes da relação sexual, que reduz o risco de infecção.
Fruto da combinação das substâncias Tenofovir e Entricitabina e de nome comercial Truvada, a medicação será ofertada a gays, transexuais, profissionais do sexo e pessoas que são sorodiscordantes de seus parceiros (quando uma das pessoas do casal possui o HIV e a outra não).
A medicação não substitui o uso de preservativos, porque não previne outras doenças sexualmente transmissíveis como sífilis, hepatite B, hepatite C, gonorreia e clamídia. Para fazer efeito, a deve ser iniciada 7 dias antes da exposição em relações anais e 20 dias antes nas relações vaginais.
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