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A contadora de filmes

07/02/2024
A contadora de filmes | Jornal da Orla

A vida de uma menina na aridez do deserto 

O cinema, com seu lúdico apagar de luzes na sala de projeção, costuma evocar memórias românticas. Não à toa há uma pluralidade de obras artísticas destinadas a homenageá-lo. A contadora de filmes, pequeno romance do enorme chileno Hernán Letelier, presta, à sua maneira, um delicado tributo à 7ª arte.

A estória se passa no árido deserto do Atacama dos anos 50, época em que brotavam pequenos vilarejos de trabalhadores ao redor das indústrias de sal. Seus viventes não tinham outro contato com o mundo senão pelo cinema. A família da menina Maria Margarita, sem recursos para prover ingressos a todos, atribuiu-lhe a missão de assistir aos filmes para depois contá-los ao pai e aos irmãos. Seu talento se alastra pelo povoado e, para a felicidade e desgraça da menina, se torna um negócio.

A narrativa, doce ao início, atravessa o tempo na aldeia e na vida de Maria Margarita, ganhando contornos comoventes. Sua adolescência difícil, a família dilapidada e o decaimento do cinema acompanham a decadência do povoado. Mais do que uma láurea ao cinema, a literatura de Letelier é uma forma de preservação de uma fugidia memória coletiva.

 

Motivos para ler:

1- Hernán Rivera Letelier, antes de se sagrar escritor, trabalhou nas minas de salitre. Conhecedor do ofício, situou vários de seus livros nas aldeias desérticas ligadas às minas. Agraciado com o título francês de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras (2001) e com o Prêmio Alfaguara (2010), é comparado com justiça a Arturo Reverte e Gabriel García Márquez;

2- O amor pelo cinema sempre rendeu belas homenagens. Este livro vem brilhantemente somar, com toda a sua dolorida beleza, ao nicho de obras que fincam seu centro fundamental no cinema;

3- O sal criou, o sal apagou. A mecanização dos processos de extração do salitre e o seu exaurimento provocaram a extinção das aldeias conectadas a essa atividade econômica. Tornaram-se cidades-fantasmas. Quem nelas viveu nunca mais poderá recorrer às ruas da infância. Nunca mais, em termos: esse viver foi resgatado e registrado nas páginas deste livro, e para sempre lá estará.