Sala de Ideias

A Reforma Tributária e os municípios

08/01/2024
A Reforma Tributária e os municípios | Jornal da Orla

Fernando Chagas

A Reforma Tributária foi finalmente aprovada pelo Congresso Nacional, após 30 anos de muitas discussões e várias promessas, que garante a simplificação do Sistema Tributário Nacional, a justiça tributária geral e os desenvolvimentos econômico e social do País, sem os entraves burocráticos do regime jurídico atual.
Apesar da maioria da classe produtora nacional, dos economistas, dos tributaristas, da imprensa em geral e da sociedade brasileira apoiar e aplaudir a aprovação da Reforma Tributária nas duas Casas Legislativas, há uma minoria de políticos e consultores inconformados, que está tecendo severas críticas à Emenda Constitucional n° 132/2023 (EC 132), promulgada recentemente pelo Congresso Nacional, sem apresentar fundamentos técnicos e argumentos jurídicos, que sustentem razoavelmente seus comentários.
Nesse contexto, certa pessoa que representa o povo na Câmara dos Deputados espalhou pelas redes sociais, provavelmente sem ouvir a sua assessoria ou até mesmo sendo mal orientada pelos seus técnicos, que o Município de Santos perderá exatamente R$ 750 milhões por ano, com a aprovação da Reforma Tributária, estranhamente de forma equivocada e açodada.
Diga-se de passagem, a Deputada Federal ou a sua assessoria elaborou um raciocínio simplista e impreciso, para avaliar uma matéria complexa e ainda incompleta, cometendo um erro crasso ao analisar a Reforma Tributária superficialmente e desconsiderando detalhes técnicos fundamentais.
Apenas para elucidar o debate em pauta, proposto pela representante do povo, é conveniente trazer à tona o seu raciocínio em seguida: se a arrecadação do ISS em Santos foi precisamente R$ 1 bilhão em 2023 e o Município ficará somente com 25% da receita do novo tributo, aprovado na Reforma Tributária, logo a Prefeitura santista perderá logicamente R$ 750 milhões por ano.
Esse foi o erro fatal da Deputada ou da sua assessoria parlamentar ou particular, simplesmente porque a EC 132, que dispõe sobre a Reforma Tributária, não determina, em seu extenso texto, o montante destinado aos Municípios em nenhum dos seus dispositivos, deixando tal definição para a Lei Complementar.
Portanto, a Deputada, desenvolvendo um raciocínio lógico inválido, utilizou a premissa falsa para apontar incorretamente o montante da receita tributária do Estado destinado ao Município de Santos, tornando também falsa a sua conclusão nos planos jurídico e financeiro, considerando sobretudo a inexistência de dados suficientes na EC 132, para efetuar o referido cálculo aritmético com precisão.
Não se pode esquecer que o Sistema Tributário Nacional é formado por Constituição, leis complementares e ordinárias, decretos e outras normas infralegais, sendo que a EC 132 outorga a definição dos elementos essenciais para a criação dos dois novos tributos gerais sobre o consumo justamente à Lei Complementar.
Desse modo, a Lei Complementar deverá determinar os fatos geradores, bases de cálculo e alíquotas da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), destacando que a primeira espécie tributária é o resultado da unificação dos tributos federais IPI e PIS/Cofins e a segunda espécie tributária é decorrente da fusão respectivamente dos tributos estadual e municipal ICMS e ISS, que juntos formam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual.
Nesse sentido, a receita tributária da CBS será destinada totalmente à União, conforme definição no Texto Constitucional, faltando apenas decidir a sua alíquota na Lei Complementar, enquanto o produto da arrecadação do IBS deverá ser repartido entre Estados e Municípios, de acordo com as alíquotas que serão estabelecidas na Norma Geral Tributária mencionada acima.
Assim sendo, a Lei Complementar determinará a alíquota padrão e as suas reduções incidentes sobre a base de cálculo da CBS, cuja arrecadação será privativamente administrada pela União, sem a necessidade de transferência desses recursos financeiros aos demais Entes da Federação nesse estágio da tributação.
Ainda a aludida Lei Complementar deverá estabelecer a alíquota padrão e os seus descontos incidentes sobre a base de cálculo do IBS, que terá também que definir a divisão dos percentuais pertencentes aos Estados e Municípios, com os objetivos claros de decidir as receitas tributárias desses Entes Federativos e as respectivas previsões orçamentárias de cada ano.
Com isso, fica claro, da mais sola clareza, que a Lei Complementar, que consiste numa Norma Geral Tributária de abrangência nacional, deverá induvidosamente determinar as receitas tributárias anuais dos Estados e Municípios, repartidas com base nas alíquotas definidas em seu texto normativo, em plena conformidade com a Constituição da República.
Enfim, fica absolutamente impossível afirmar peremptoriamente que a Prefeitura de Santos perderá tamanha quantia em seu orçamento anual, sem a definição da alíquota do IBS atribuída aos Municípios na repetida Lei Complementar, como foi indevidamente anunciada por uma agente política nas redes sociais.
Parece que a representante do povo no Congresso Nacional e a sua assessoria técnica não demonstraram o devido conhecimento da teoria geral de Direito Tributário e de noções básicas de Direito Financeiro ao analisarem a Reforma Tributária e os seus efeitos nos Municípios ou foram, no mínimo, precipitados na leitura da EC 132, culminando com uma interpretação descabida da repartição das receitas tributárias entre Estados e Municípios.
De um lado, a agente política deve ter rigorosa responsabilidade social na divulgação de fatos relevantes para a convivência normal das pessoas numa República, a fim de evitar a transmissão de informações irreais ou distorcidas, que acabam confundindo o entendimento da população a respeito de assuntos de interesse público, como ora ocorre com essa narrativa da Reforma Tributária.
De outro lado, a assessoria técnica da parlamentar também deve estudar com apuro científico e profundidade as novas pautas Legislativas e as matérias recém-aprovadas no Congresso Nacional, para preservar a credibilidade e a confiabilidade das opiniões e comentários da assessorada perante a sociedade em geral.
Quando o Governo Federal encaminhar a Lei Complementar em questão em 2024, tratando da repartição das receitas tributárias, Administração e fiscalização tributárias e Gestão financeira desses recursos públicos, certamente os deputados municipalistas deverão direcionar todos os esforços necessários para as discussões legislativas nas Comissões Parlamentares e no Plenário da Câmara Federal, com a finalidade de garantir a fixação da maior alíquota possível do IBS aos Municípios e em prol das coletividades locais.
Em resumida síntese, pode-se afirmar, com toda certeza, que os pontos relevantes da Reforma Tributária serão amplamente debatidos pelos deputados e senadores na apreciação das Leis Complementares, que definirão todos os elementos da tributação para a adequada instituição da CBS e do IBS no ordenamento jurídico nacional, inclusive a criteriosa repartição das receitas tributárias entre Estados e Municípios, sem prejuízos a nenhum Ente da Federação. Antes disso, é discussão inócua e ineficaz.

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