Do fascismo europeu à pandemia, Miguel retorna em grande estilo aos romances históricos
O século XX é costumeiramente lembrado não só pelos espetaculares avanços tecnológicos das ciências, mas também pelas conturbadas aventuras políticas ocorridas nesse período. Se a grande modernidade prometia paz e segurança, as duas guerras mundiais e outros terríveis eventos ao redor do mundo encheram o coração da humanidade de pessimismo em relação ao futuro. Todas essas reviravoltas, paradoxos e contradições projetaram efeitos mal dirimidos sobre o século XXI.
É nesse contexto que Miguel Sousa Tavares – em bom retorno aos romances históricos – situa seu Último Olhar. Pablo (elemento central do livro) viveu a Guerra Civil Espanhola, atravessou campos nazistas e chegou à pandemia da COVID. A trama é enriquecida com a figura da jovem e forte médica Inês já nos tempos atuais da pandemia, oportunidade em que as personagens se encontram.
O leitor atento desvendará, pelas esquinas do livro, os muitos últimos olhares que o autor certamente quis, com ternura, transluzir.
Motivos para ler:
1- É sempre com entusiasmo que a comunidade de leitores recebe um livro do português Miguel Sousa Tavares. Autor consagrado pelos grandes Equador e Rio das Flores, seu último romance traz a sua precisa técnica de escrever sobre os grandes sentimentos sem ser sentimentalista;
2- Miguel é mestre do romance histórico: cria como ninguém personagens fictícios que interagem com outros reais. Em certa altura, p. ex., Pablo (fictício) trava amizade no campo nazista com Francisco Boix, o qual entrou para a história por, ousadamente, esconder negativos fotográficos visando usá-los como prova caso escapasse do campo. E conseguiu: Boix teve atuação decisiva depondo no Julgamento de Nuremberg contra os nazistas;
3- O livro se encerra no presente pandêmico. Em apropriada passagem, está registrado para a eternidade literária: “Fosse com Trump nos Estados Unidos, com Bolsonaro no Brasil ou com Duterte nas Filipinas, o sinistro desprezo pela morte dos desprotegidos, uma espécie de orgulho macho que via a ciência como um adversário e o dever de salvar vidas como um empecilho político”. Aqui se faz, aqui se paga.
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