A Guerra de Troia rendeu toda sorte de expressões artísticas. Nela se inspirou Homero para escrever seu poema Odisseia, narrando o retorno de Odisseu (ou Ulisses, na tradução latina) ao reino de Ítaca após vinte anos de ausência. Metade desse tempo lutou na guerra, e a outra metade perambulou pelo Mar Egeu tentando voltar para casa em meio a monstros, deusas e sereias sedutoras. Penélope é retratada no poema como a esposa exemplar de Odisseu; porém, tudo acaba em violência quando ele ancora em Ítaca: segue-se a matança de todos os pretendentes de Penélope, além do enforcamento das doze escravas que sempre a acompanharam.
A Odisseia de Penélope revisita esse pequeno fragmento do poema de Homero. Para assumir a narrativa, a autora deu voz à Penélope, que, já morta, contará sobre o além (de onde observa o mundo atual desde a sua morte até os dias modernos, com passagens hilárias) e sobre sua difícil vida terrena, da infância numa família nada confiável até o casamento e a longa espera pelo retorno do marido. Dedica-se, sobretudo, a desfazer calúnias sobre sua vida que circulam o mundo desde a Antiguidade, além de criticar fortemente sua prima Helena de Troia e Odisseu.
Entrecortando os capítulos, Atwood habilmente introduz um artifício muito presente nas tragédias gregas: o coro, que normalmente é composto por comentários laterais de um segundo narrador, dando outro ponto de vista sobre a história. As doze escravas enforcadas assumem a voz desse assombroso coro, chegando ao clímax no memorável julgamento de Odisseu.
Um livro ágil, leve e bem-humorado, que inteligentemente promove uma releitura da história sob os olhos de Penélope para lhe dar, enfim, o direito à reparação.
Motivos para ler:
1– Margaret Atwood, escritora canadense de talento reconhecido tanto pelo público como por diversos prêmios literários, ganhou enorme projeção mundial com o seu romance O Conto da Aia, obra que resultou numa bem-sucedida série televisiva sobre o erguimento de um Estado totalitário fundamentalista cristão que instaurou uma violenta nova ordem após derrubar o governo legítimo anterior. Vale conferir;
2– O quadro que ilustra esta coluna, da lavra do talentoso italiano radicado na Inglaterra John William Waterhouse, representa Penélope sendo assediada por diversos pretendentes enquanto espera o retorno de Odisseu. Pressionada a se casar novamente por motivo políticos, Penélope promete que considerará a hipótese quando terminar de fiar uma mortalha. Sagazmente, sempre desfaz o trabalho à noite para que o sudário nunca fique pronto. O episódio é contado no poema de Homero e também recebe a devida atenção nesta Odisseia de Penélope;
3– Leia mulheres!
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.