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Terras do sem-fim

29/01/2025Rafael Medeiros
Freepik

A luta de todos contra todos pela terra é um tema universal. Em tempos idos ou na atualidade, as disputas gananciosas por espaços territoriais sempre estiveram na pauta do dia. Em Terras do sem-fim, Jorge Amado põe em palco a epopeia do cacau no solo fértil da emergente Ilhéus. Tempos em que coronéis, jagunços e trabalhadores se digladiavam em busca da prosperidade que o fruto da terra prometia.

Um aspecto digno de nota do romance é a clausura de tantas vidas em torno de um pedaço de terra: eram tempos que remontavam ao auge da Segunda Grande Guerra e do governo Vargas, mas nada importava senão desbravar a mata virgem para plantar. Um mundo sem lei, sem Direito, sem ordem. Um mundo que, fechado em si mesmo, vivia de traições, intrigas políticas, mulheres tristes, crimes e sangue – muito sangue. A guerra rural será então travada entre os irmãos Badaró e o coronel Horácio, e muita gente, com muita história, dela participará.

Nosso maior prosador inseriu em Terras do sem-fim toda a violência de uma terra agreste, mas também deu uma bonita dimensão de humor e calor humano àquelas vivências, entregando um livro completo. É, de fato, um livro que tem tudo dentro dele.

Motivos para ler:

1- O baiano Jorge Amado (1912-2001) foi o nosso maior romancista do século XX. Seus livros foram traduzidos para dezenas de idiomas, sua obra foi adaptada para o cinema e TV com enorme sucesso. Foi o brasileiro mais cotado para vencer o Nobel de Literatura – há notícia de que a Academia Sueca, ao escolher a quem dar o primeiro (e ainda único) Nobel a um nativo da língua portuguesa, oscilou entre José Saramago e Jorge Amado. O Nobel ficou com o português, mas a amizade profunda entre eles permaneceu até o fim;

2- É fácil notar, neste livro, a espantosa habilidade de Jorge Amado de trabalhar personalidades extremamente densas em seus personagens. Esta aptidão é a grande marca de Jorge. O capítulo em que Damião, o jagunço mais temido das cercanias, entra em crise existencial e o capítulo da dor da moça Ester são pequenas joias de brilho raro incrustradas neste belíssimo romance;

3Tão antiga quanto a luta pela terra é a exploração do homem pelo homem. A guerra é entre coronéis, mas o povo que foi chamado ao trabalho e à luta sob a promessa de riqueza e terra, este povo apenas adubou o solo com sangue e suor sem nunca provar de suas benesses. Enganados por falsas promessas e condenados a trabalhar para pagar seus próprios instrumentos do ofício, os trabalhadores tombavam de cansaço, de doença ou de morte matada. Tudo tão somente para os coronéis ficarem ainda mais ricos. São os ecos da escravidão que nunca permitiram valorizar adequadamente o trabalho suado nestas terras do sem-fim.