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Ócio criativo ou a arte de fazer muito não fazendo nada

14/04/2025 Hudson Carvalho
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“A plenitude da atividade humana é alcançada somente quando nela coincidem, se acumulam, se exaltam e se mesclam o trabalho, o estudo e o jogo; isto é, quando nós trabalhamos, aprendemos e nos divertimos, tudo ao mesmo tempo.”

Domênico de Masi

Numa das primeiras viagens que fiz à Ásia, tive um dos melhores aprendizados da minha carreira. Veio acompanhado da vergonha ocidental que me fiz passar por pensar mais como um “fazedor”, menos “planejador” do que os orientais. Justo eu, que não faço quase nada sem pensar no objetivo de fazer, no tempo que vai levar e se a relação custo-benefício compensará.

A cena foi essa: um homem de meia idade, poucos cabelos brancos, sentado à sua mesa. O escritório, lotado, como eram antes do home office. Olhos semicerrados fixos no infinito, aparentando quase dormir.

Um Colega, residente local, que me acompanhava desde a chegada, percebeu meu incômodo e, educadamente, deu a abertura para que eu perguntasse: Aquele senhor está dormindo? Está parado há quase 20 minutos!

A resposta fulminante: “Não. Ele está pensando!” TÓÓIMM. E lá permaneceu sem ser incomodado por absolutamente ninguém, por mais algum tempo.

Lembrei-me imediatamente de Peter Senge e seu livro A Quinta Disciplina, quando fala sobre a importância da REFLEXÃO como parte das atividades rotineiras. Segundo o Autor, quando uma pessoa está em silêncio em sua mesa parecendo não fazer nada, estaria realizando um trabalho muito importante: PENSANDO.

O tema continuou circulando na minha cabeça e a próxima lembrança foi o conceito de “Ócio Criativo”. Conhece?

Aspas para o criador do conceito, o sociólogo italiano Domênico de Masi: “Aquele que é mestre na arte de viver faz pouca distinção entre o seu trabalho e o tempo livre (…) Distingue uma coisa da outra sem dificuldade. Almeja, simplesmente, a excelência em qualquer coisa que faça, deixando aos demais a tarefa de decidir se está trabalhando ou se divertindo.”.

Trata-se daquela pessoa que gosta tanto do que faz que nem sente que está trabalhando.

Eu sei … esses conceitos soam estranhos para nós, mas, antes de associarmos “ócio” à “preguiça” ou ao “dolce far niente, é preciso dizer que “Ócio CRIATIVO” é diferente do ócio alienante. Esse sim, significa não fazer absolutamente nada. Ócio Criativo equilibra o tempo que usamos para o trabalho, o estudo e a vida pessoal/social.

Ora, se alguém sente prazer no que faz, a ponto de não distinguir trabalho de lazer, é provável que também não lhe seja incômodo aprender cada vez mais sobre os assuntos de sua área. Pronto! Fechou-se o ciclo TRABALHO-ESTUDO-LAZER.

Imagine o que significa possuir profissionais criativos e produtivos, viabilizadores de soluções simples, rápidas e de menor custo. Um ganho enorme!

Em nossa cultura, a obtenção de resultados ainda está relacionada à fazer esforço, às vezes acima das reais possibilidades e também da renúncia que o profissional faz de suas necessidades pessoais e do convívio social em prol da organização em que se trabalha.

Criar um ambiente propício a essa mudança, é uma enorme quebra de paradigma. Uma forma muito diferente de entender o mundo do trabalho.

As empresas que estiverem dispostas a seguir esse caminho precisarão dar sua parcela de contribuição para que as relações de trabalho se transformem radicalmente. Eu indicaria iniciar por:

  1. ESTABELECER METAS REALISTAS: Não estou falando de baixar as expectativas da organização ou de exigir menor comprometimento das pessoas. Estou defendendo que se peça aquilo que pode ser feito de verdade, proporcional ao atual Grau de Maturidade das pessoas e dos recursos disponibilizados;
  2. PREPARAR AS EQUIPES PARA ESSA REALIDADE: Significa deixar claro – não com discurso, mas com ações concretas – que a cultura do medo (de ser repreendido por estar dedicando tempo a pensar-planejar) não existe;
  3. CRIAR ESPAÇOS E MOMENTOS DE CONVIVÊNCIA PARA AS EQUIPES: Locais e eventos que permitam às pessoas encontrar-se. Conversar de maneira informal, conhecer o outro é base para que se estabeleça a confiança entre as pessoas.

Pensar os espaços funcionais é particularmente importante em tempos em que se discute se trabalhar em “home office”, de forma híbrida ou presencial, significa maior ou menor carga de trabalho. Pessoalmente acho mais importante controlar as “entregas” que cada um precisa fazer, do que o tempo de sua jornada de trabalho.

Repasso os comentários que leio diariamente nas Redes Sociais ou ouço diretamente nas Empresas Clientes, sobre como as pessoas usam o seu tempo. Vamos ser honestos: boa parte das pessoas ainda permanece em seus empregos exclusivamente pelo salário que recebem. É isso que queremos?

As alternativas são, ficarmos reféns do modelo atual, cujos resultados esgotam-se rapidamente na medida em que novas gerações entram no mercado de trabalho, ou mudá-lo, buscando a melhoria da produtividade que tanto queremos por meios que sejam favoráveis a um número maior de pessoas.

Escolher o mundo do trabalho que deixaremos para nossos filhos e netos, é uma decisão a ser tomada agora.