“Encerra sua obra com uma nota alta, sendo brutal e cínico em sua concepção, nos deixando sair do cinema com uma cena aterrorizante em uma mistura belíssima e sombria de um pesadelo humano.”
O que diferencia um homem de uma besta? Para o consagrado e talentoso diretor mexicano Guillermo Del Toro, a resposta está justamente na incapacidade do homem em resistir aos seus instintos. De forma quase animalesca, o homem é um ser que existe apenas para satisfazer seus desejos, mesmo que para isso tenha que abrir mão da dignidade e de sua humanidade. Em seu novo longa Beco do Pesadelo, Del Toro apresenta a ganância do homem em busca do sucesso a qualquer custo, e até que ponto a crueldade humana pode atingir o seu limite.
O Beco do Medo, inicia sua narrativa mostrando quando o carismático, mas sem sorte, vigarista Stanton Carlisle (Bradley Cooper) acaba entrando para um “circo dos horrores” após perder tudo. Lá ele encontra a vidente Zeena (Toni Collette) e seu marido Pete (David Strathairn), que fazem um show de leitura fria e um engenhoso sistema de linguagem codificada para fazer parecer que ela tem poderes mentais extraordinários. Mas logo Pete começa a ensinar a Stan sobre os truques, fazendo com que Stan tenha uma ideia para um “passaporte” para a riqueza e tirar dinheiro da elite Nova Yorkina dos anos 1940. Anos depois, após sair do circo e se juntar com Molly (Rooney Mara), uma das intérpretes do show, Stan é conhecido como “O Grande Stanton”, pondo em prática o que tinha imaginado anos antes. Mas durante uma de suas performances, ele acaba se envolvendo em um jogo de gato e rato com a psicóloga Lilith Ritter (Cate Blanchet) que tentar expor suas habilidades fraudulentas. Não conseguindo, Stan se envolve com um rico da época que quer contratá-lo para falar com o falecido filho e ganhar muito dinheiro, mas a psicóloga não vai deixar isso passar tão rapidamente.
Primeiro filme comandado por Del Toro após ganhar o OSCAR com A Forma da Água em 2017, Beco do Pesadelo é uma refilmagem de um filme da década de 40 e adapta o livro de William Lindsay Gresham, que confesso não ter assistido e nem lido. E isso foi muito bom pois fui sem saber muito da história e, apesar de conhecer a carreira do renomado diretor, que é especialista em realizar filmes de terror e fantasia que se fundem ao imaginário do espectador(assistam sua obra prima O Labirinto do Fauno), eu não estava com a expectativa lá em cima. Como é bom ser surpreendido! O diretor gasta a primeira metade de seu filme no circo itinerante (onde na minha opinião, acaba se prolongando demais) criando uma visão sórdida e suja da vida miserável na era da Depressão nos EUA, misturados em um mundo de aberrações circenses e mesmo não abordando o característico sobrenatural de sua filmografia, traz desde já o pior monstro de suas obras: o ser humano. Del Toro tem total controle do material, com as cenas entre Bradley Cooper e Cate Blanchett em um estilizado consultório serem o ápice do diretor, onde consegue captar roteiro, performances e fotografia de modo espetacular (aquele silêncio é de uma tensão incrível). E por falar em tensão, eu não consegui relaxar em nenhum momento do longa, que vai queimando lentamente até um brutal e violento clímax que não sairá tão cedo da sua cabeça.
O roteiro, escrito pelo diretor e pela sua esposa Kim Morgan, faz uma homenagem ao cinema noir que teve seu auge na década de 40, tecendo comentários sobre sofrimento, castigo, morte, ambição e seus efeitos mórbidos na mente humana. Porém, com quase 150 minutos de duração, o filme parece deixar muita coisa de fora que seria importante para que o público pudesse entender melhor as motivações e viradas dramáticas de seu podre, porém carismático, protagonista. E quando se trata de seus personagens secundários, nenhum possui um desenvolvimento ou arco bem definido, de modo que suas reviravoltas soam artificiais e mal construídas, desperdiçando o talentoso elenco, que passa por Rooney Mara, Toni Collette e Willem Dafoe.
Falar de um filme de Guillermo Del Toro e não falar de seu design de produção é quase pecado. Misturando a degradação e precariedade aliado a uma atmosfera melancólica, a equipe técnica do filme faz um trabalho magistral com um nível de detalhe inigualável. A segunda metade do filme, que se passa em salões luxuosos, funciona como um belo contraste para o primeiro ato, deixando de lado a beleza grotesca dos circos e passando para a elegância fria da alta sociedade.
Bradley Cooper, apesar de não ter muita ajuda com o texto, deve ter seu trabalho enaltecido começando com um personagem mudo e passando para um charlatão cheio de lábia e carisma (reparem na mudança de postura e no tom de voz do ator no segundo ato). Cate Blanchett também está excelente como uma típica femme fatale, com um sórdido jogo de poder e sedução nas melhores cenas do longa.
O Beco do Pesadelo possui um universo fascinante com uma sedutora atmosfera noir aliado a um estudo de personagem cheio de cinismo e melancolia. Não é o melhor trabalho do diretor, mas que, em seus 30 minutos finais, encerra sua obra com uma nota alta, sendo brutal e cínico em sua concepção, nos deixando com uma cena aterrorizante em uma mistura belíssima e sombria de um pesadelo humano.
Curiosidades: Leonardo DiCaprio era a primeira opção para o papel de Stanton Carlisle — mas, após o ator sair do projeto, foi substituído por Bradley Cooper.
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