
Durante décadas, a Rede Globo foi referência não só em novelas, mas também no humor em formato de esquetes — um estilo que marcou gerações e moldou o imaginário popular brasileiro. Basta lembrar dos domingos com Os Trapalhões, da crítica social elegante de Viva o Gordo, da inventividade de Chico City e do clássico Balança Mas Não Cai, que começou no rádio e fez a transição para a televisão com enorme sucesso.
Um nome merece atenção especial: Planeta dos Homens. Exibido entre 1976 e 1982, o programa foi um verdadeiro celeiro de talentos. Com um elenco afiado que incluía Jô Soares, Agildo Ribeiro, Paulo Silvino, Eliezer Motta, Brandão Filho e Lúcio Mauro, o programa era um dos meus favoritos, mesmo sendo feito para um público muito mais velho do que eu era à época.
Mesclava crítica política, piadas rápidas e quadros marcantes. Foi um dos primeiros a provar que o humor podia ser inteligente e popular ao mesmo tempo, mesmo sob a censura da ditadura militar. A presença de humoristas com estilos distintos garantia uma variedade criativa rara, onde a sátira convivia com o nonsense e a paródia ganhava densidade crítica.
A Globo, por muitos anos, soube atualizar essa fórmula. Após o fim do Planeta, vieram novos formatos igualmente inovadores, como o TV Pirata, que nos anos 1980 revolucionou a linguagem humorística na televisão, com texto refinado e estética de vanguarda.
Depois, o Casseta & Planeta Urgente abraçou o espírito da época com sátiras políticas, paródias de novelas e um olhar debochado sobre o noticiário. Nos anos 2000, o Zorra Total marcou presença, mesmo em suas fases mais criticadas, como ponto de encontro entre o humor popular e o costumeiro. E quando parecia que o formato havia esgotado, surgiu Tá no Ar – A TV na TV, com Marcelo Adnet, Marcius Melhem e equipe, que recuperou o brilho da metalinguagem e da crítica televisiva.
No entanto, desde o fim de Tá no Ar em 2019 e a posterior extinção do Zorra reformulado, a Globo simplesmente abandonou os programas de esquetes humorísticas. O silêncio é notável. Em um país onde o cotidiano muitas vezes beira o surreal, o humor — especialmente aquele em formato de esquetes — se torna ainda mais necessário. Ele funciona como válvula de escape, mas também como ferramenta de reflexão.
É verdade que o humor se reinventou em outras plataformas. Hoje, YouTube, Instagram, TikTok e outras redes sociais oferecem novas vozes, linguagens e formatos diferentes. Mas nada substitui o impacto cultural de um programa semanal na TV aberta, com qualidade de produção, visibilidade nacional e espaço para roteiristas e atores desenvolverem personagens recorrentes e sátiras mais complexas.
A ausência desses programas na Globo representa uma lacuna não apenas na grade de programação, mas na própria memória afetiva de milhões de brasileiros. O humor em esquetes faz parte da nossa formação emocional e crítica. De certa forma, era por meio dele que o público ria de si mesmo, entendia o país e enfrentava os absurdos da realidade com leveza e inteligência.
Hoje, em tempos tão tensos e polarizados, faz falta um espaço onde possamos rir juntos — não de forma rasa, mas com o tipo de riso que provoca, desafia e acolhe. Um riso como aquele que Planeta dos Homens, TV Pirata ou Tá no Ar sabiam oferecer.E o Brasil, que sempre riu para não chorar, sente essa ausência.
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