Sala de Ideias

A lepra das estruturas

02/02/2022
A lepra das estruturas | Jornal da Orla

Wagner Balera

O orçamento deve ser de domínio amplo e irrestrito, para saber se o dinheiro está sendo bem aplicado

Um dos livros do Antigo Testamento, o Levítico, trata especificamente da lepra das estruturas, a partir do capítulo 14. Desde logo se faça a ressalva terminológica. Aqui não se cuida da doença que atinge as pessoas. Essa é a hanseníase, consoante o conceito científico que lhe deu o dr. Hansen, da Noruega. Também se padece, no Brasil, desse grave mal. Aliás, não logramos sair do desonroso segundo lugar nos países onde essa milenar doença ainda se alastra com muita intensidade. Entretanto, o objeto deste texto se refere somente à lepra das estruturas.

Tal doença se identifica quando as paredes atingem um tom esverdeado ou avermelhado.

Interessa perquirir alguns exemplos dessa doença na atualidade.

Vejamos o que ocorre com o orçamento, uma peça-chave para que o plano financeiro de uma casa funcione de maneira adequada.

Evidentemente, essa peça deve ser de domínio amplo e irrestrito, para que os donos da casa possam saber, a qualquer tempo, se o dinheiro nela vertido está sendo bem aplicado. A lepra consiste em se pretender tornar secreto o orçamento. Somente os alquimistas dessa peça podem saber onde, para que, quando e como está sendo gasto o dinheiro.

Ora, com o ocultamento dos gastos, pouco a pouco todas as estruturas da casa serão contaminadas, porque todos os interessados na gestão dos dinheiros também quererão o privilégio leproso de gastar os recursos sem revelar o destino. É muito mais prático não ter de prestar contas a ninguém. Desburocratiza tudo.

Essa mesma mancha esverdeada ou avermelhada pode ser encontrada, ainda, quando se verifica a contaminação, acidental ou criminosa, de bancos de dados. Suponha-se, apenas para argumentar, como seria de gravidade ímpar se o banco de dados usurpado contivesse dados de saúde dos habitantes de uma casa, e que a contaminação expusesse os males que acometem aquele grupo. Quantas implicações éticas e morais não decorreriam da publicação desses registros?

Nas duas situações aqui relatadas, o assunto se resolveria com uma simples quarentena. As pedras e a argamassa do orçamento e do banco de dados seriam substituídas, e tudo ficaria limpo.

Caminhemos, porém, para situação extremada. A falta da argamassa necessária para a reconstrução da casa se deveu, sobretudo, em razão de detalhe técnico aparentemente sem importância. Resolveram realizar enquete envolvendo toda a população da cidade para perguntar (mesmo a pessoas leigas, que nada entendem do tema) que tipo de material seria o melhor para a tarefa de reconstrução. Um material imune a toda a lepra, tanto a esverdeada quanto a avermelhada.

E ninguém soube entender muito bem o que estava sendo indagado. Então, o dono da casa ordenou que as pedras, a madeira, o reboco e tudo o mais fossem levados para fora da casa, um lugar para sempre declarado impuro.

 

Wagner Balera é professor titular de Direito Previdenciário e de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), livre-docente em Direitos Humanos, doutor em Direito das R elações Sociais, autor de mais de 30 livros na área de Direito Previdenciário e de mais de 20 livros da área de Direitos Humanos e sócio fundador e titular do escritório Balera, Berbel & Mitne Advogados.

 

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.

 

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