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A fé não costuma falhar

19/04/2025 Ivani Cardoso
A fé não costuma falhar | Jornal da Orla

“Só existe uma regra comum válida para encontrar sua verdade especial. É aprender a se escutar com toda a paciência, e se dar uma chance de encontrar o próprio caminho, que é seu e de mais ninguém”

Wilhelm Reich

Qual o valor da fé para você? Todas as culturas, em diferentes tempos e lugares, sempre acreditaram em deuses, espíritos, ancestrais, forças superiores. Essa busca pelo transcendente parece estar entrelaçada com nossa própria condição humana. Mas será que acreditar em algo maior do que nossos sentidos podem alcançar, pode influenciar positivamente o envelhecimento? Se depender de estudos recentes, a resposta é sim. Uma pesquisa da Universidade de Harvard revelou que frequentar grupos religiosos semanalmente está associado a uma redução de até 50% na mortalidade geral, evidenciando o impacto positivo da espiritualidade na saúde e na longevidade. Outros estudos indicam que práticas espirituais aumentam os níveis de serotonina — o “neurotransmissor da felicidade” — e de endorfinas, substâncias que promovem bem-estar. Pesquisadores ainda observaram que, durante momentos de oração e meditação, há aumento de atividade nos lobos frontais do cérebro — áreas responsáveis pelo foco, atenção, planejamento e capacidade de construir raciocínios complexos.

Espiritualidade não se limita à religião e nem é encontrada apenas na natureza, nos livros ou nos sentimentos. Para mim, espiritualidade é uma busca contínua. É algo que conforta, sustenta e oferece alguma esperança para reger nossas vidas, principalmente em momentos difíceis. E respeito quem diz que não crê em nada, é uma escolha.

O psicólogo Enéas Canhadas aponta que, a partir da meia-idade, a espiritualidade ganha destaque como parte da definição pessoal. Após concluir tarefas sociais como criar filhos, trabalhar e alcançar estabilidade, muitas pessoas passam a buscar um novo significado para suas vidas. É nesse olhar para dentro que sentimentos, atitudes e comportamentos ligados à espiritualidade florescem. Estudos científicos confirmam que pessoas com algum tipo de crença tendem a manter um maior equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Isso as torna mais resilientes frente ao estresse e mais preparadas para enfrentar os desafios.

Com o avançar da idade, surge também um certo cansaço de perguntar. Como afirma Canhadas: “Claro que, se você é mais velho você vai se surpreender menos vezes e com menor intensidade do que em outras fases, mas sempre há chances para isso. Buscar é estar vivo, é acreditar que você pode se surpreender. Pesquisa americana revelou que, até os seis anos, as crianças fazem em média 120 a 140 perguntas por dia. Na idade adulta, esse número cai para cerca de seis. No envelhecimento, muitas vezes a curiosidade adormece, mas isso não significa que tenha desaparecido. Falar de espiritualidade também é falar de envelhecimento — afinal, a finitude se torna cada vez mais presente em nossa consciência”.

Evitar o tema pode tornar esse processo ainda mais difícil. Canhadas reforça que, ao encarar a espiritualidade, uma nova conexão se estabelece internamente. Descobre-se um novo caminho, uma ponte que ajuda a lidar com a vida de forma mais profunda. “Quem diz que não acredita em nada tem, muitas vezes, a mesma mansidão de quem acredita cegamente. A questão é cada um examinar sua própria relação com a transcendência — seja do ponto de vista biológico e material, seja acreditando que pode haver algo além”. A espiritualidade está, portanto, profundamente ligada ao bem-estar psicológico, à nossa essência. Ainda são necessários mais estudos para fundamentar cientificamente seu papel no envelhecimento saudável, mas os indícios são cada vez mais claros.

Para facilitar essa abordagem na prática clínica, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) lançou recentemente, em seu congresso em Belo Horizonte, o baralho “Mais Importante SBGG”. A ferramenta foi criada para profissionais da saúde que desejam abordar espiritualidade com seus pacientes, mas não sabem por onde começar. Com 40 cartas divididas em quatro categorias — religião, ecossistema, emoções e sentimentos, e situações-limite — além de uma carta curinga, o recurso promove diálogos significativos sobre valores, crenças e necessidades espirituais. Pode ser comprado no site da SBGG.

Sugestões de filmes sobre espiritualidade:

A História de Deus com Morgan Freeman (Disney Plus) – Série documental que investiga as conexões entre diversas religiões do mundo por meio de conversas com xamãs, sacerdotes e fiéis. Em um mundo dividido por crenças, a série promove reflexões sobre o que Deus representa para bilhões de pessoas.

O Sabor da Vida (Prime) – Um drama delicado, ambientado em 1885, que revela a espiritualidade como doação e entrega. A história acompanha Eugénie (Juliette Binoche), uma renomada cozinheira, e sua relação de longa data com Dodin (Benoît Magimel). Quando ele decide expressar seu amor através da comida, o gesto revela a dedicação em pequenos rituais cotidianos.