Em tempo de Natal, um belo exemplo de solidariedade em família. Há quase 20 anos, Idalina Galdino Xavier criou a ONG Doutores Voluntários do Riso, que hoje conta com 40 integrantes que semanalmente doam algumas horas de suas vidas para levar alegria e um pouco de alívio a crianças e adultos internados em hospitais e uma vez por mês visitam asilos da região. Dentre eles estão cinco membros da sua família, mostrando que a solidariedade é contagiosa e passa de geração para geração.
Gian Karlo Rogério Xavier, o dr. Alegretto, é filho de Idalina – a drª Alegria – e presidente da ONG. A filha Érika atua na retaguarda, organizando os eventos. O genro Marcelo faz às vezes de Papai Noel nas festas do grupo. E têm as duas netas que herdaram a veia cômica e o desejo de ajudar o próximo: Giovanna, 14 anos, a drª Tutti Frutti, e Gabrielle, de 13 anos, a drª Moranguinho Alegrinho.
O trabalho é aliviar a dor através de brincadeiras, músicas, teatrinho, mas o mês de dezembro teve tarefa extra para os voluntários, que montaram centenas de sacolinhas de Natal para crianças de bairros carentes. É a Corrente do Bem que passou pelo bairro do Jóquei Clube, em São Vicente, no início do mês e neste sábado, 21, estará na Zona Noroeste.
Voluntariado é compromisso
Há quem condicione o voluntariado à disponibilidade de tempo, mas o trabalho de se doar ao próximo ou a uma causa tem que ser assumido como compromisso, lembram os doutores do riso. “Todos temos livre arbítrio e, no meu caso, abracei como um legado. Não é caridade, é um privilégio, um exercício de gratidão por estarmos vivos, com saúde”, diz Gian, 44 anos, formado em educação física e pedagogia e conselheiro tutelar da Zona Noroeste.
“Não é a motivação que faz um voluntário, é a regularidade. E não precisa ser necessariamente engraçado, já que o candidato passa por treinamento de seis meses onde recebe noções de teatro, ética, biosegurança”, completa ele. Idalina lembra que muitas pessoas querem ajudar, mas não sabem como. “Com o tempo a gente vai filtrando e agregando novos voluntários”.
Rotina incessante
O grupo visita hospitais aos sábados e domingos pela manhã. Na terça-feira o compromisso é à noite, com os pacientes do Hospital Guilherme Álvaro, e as quintas na UPA Central. Uma vez por mês os voluntários vão a algum asilo da região. A preocupação é evitar visitas repetitivas e, para isso, o grupo se reúne todo mês para decidir novas piadas, desenhos, contação de histórias e avaliar o que está dando certo ou não.
”Tenho 16 anos de atuação, mas o tempo não faz se acostumar com hospital. Sempre que entro em um, o coração sangra, mas sabemos que somos instrumento para levar alegria e as manifestações de apoio dos pacientes e dos familiares dão a força que precisamos para exercer nosso trabalho”, garante o presidente da ONG.
Dia 18 de janeiro, no auditório da OAB-Santos, acontece a cerimônia de integração de 12 novos voluntários, depois de passarem por processo seletivo e cumpridos seis meses de treinamento.
Respeito é a base do trabalho
O respeito ao paciente está na base do trabalho do grupo. Há técnicas de aproximação dependendo do estado de saúde e da reação do paciente, principalmente crianças. “A gente visita setores muito delicados, como a ala dos queimados – onde o sofrimento é muito grande -, a oncologia e, depois, a pediatria”, conta Idalina. São visitas curtas, mas com tempo suficiente para tirar o foco da doença.
“Não conheço outro tipo de vida”, diz Gian, referindo-se ao voluntariado, herança que recebeu da mãe e passou para a filha Gabrielle. “O dr Alegretto é a minha melhor parte, um presente, uma missão. O palhaço é um personagem familiar, o mundo mágico sempre existe, principalmente para as crianças”. Já com idosos a abordagem é de enaltecimento da história de vida. “A maior reclamação dos idosos é a infantilização. E importante parar e tentar ouvi-los”, orienta Gian.
A química do riso
Uma vez criada a ONG, Idalina resolveu pesquisar sobre a “Neuroquímica das Sensações” e descobriu que, dependendo do grau de intensidade do riso, a dor pode ser bloqueada. “O riso aumenta a produção de endorfinas, relaxando as artérias, trazendo bem-estar ao corpo, aumentando as reações imunológicas. Se o riso for intenso, o grau de endorfina produzido é tão alto que naquele momento o paciente não sente dor”.
O trabalho voluntário sempre esteve presente na vida de Idalina, hoje com 63 anos. Começou ajudando na Gota de Leite e fez trabalhos voluntários em hospitais até criar o seu próprio grupo, no ano 2000. “Nosso foco é a humanização hospitalar”, explica. A ong não recebe subsídio algum e é mantida pelos próprios voluntários, pessoas de diferentes idades e profissões, imbuídas do mesmo propósito. A página no Facebook contabiliza ´mais de 21 mil seguidores.
Bacharel em Direito e conselheira tutelar do Centro, em Santos, Idalina conta que é muito emotiva e se considera fraca para ver sangue, ferimentos, uma situação fácil de encontrar nos ambientes freqüentados pelo grupo. Então, como ela consegue resistir? “Deus é maravilhoso. Quando me visto com o jaleco eu me transformo. É como se a roupa fosse um manto sagrado. Deus que faz isto, não entendo de outra forma”, conclui.
Fotos: Arquivo Pessoal e Gabriel Soares