Saúde

Consulta perigosa

26/09/2014
Consulta perigosa | Jornal da Orla
O estudo, divulgado no início deste ano, revelou que 81% das pessoas que acessam a rede mundial buscam dados sobre médicos, remédios, diagnósticos, doenças e tratamentos.
Outra pesquisa, realizada pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade, realizada em 12 capitais, mostra que 76,4% dos brasileiros se automedicam. Então, se você é daqueles que pegam uma gripe ou não aguentam a ansiedade e, ao receberem resultados de exames, correm para a internet e sai consultando sites de credibilidade duvidosa, sem buscar a opinião do especialista, o seu médico é nada mais, nada menos, que o Dr. Google.
Antes da internet, as pessoas se “consultavam” com parentes e amigos. Hoje, recorrem ao Google. A automedicação pela internet é um problema comum mesmo entre pessoas bem informadas. A quantidade quase ilimitada de informação, disponível instantaneamente, faz da rede o oráculo de nossos tempos. Pode-se saber de tudo nela, de fofocas a assuntos científicos. Essa fartura de informação parece gerar também uma ansiedade de conhecimento. Qualquer dúvida, dor ou doença e lá estamos nós, buscando informações sobre o assunto. “Isso que está acontecendo é um padrão cultural devido à tecnologia. Diariamente, recebo pacientes com sérias complicações causadas pela automedicação, principalmente por parte dos antibióticos”, relata o diretor-técnico do Hospital Guilherme Álvaro, Ricardo Leite Hayden.Analgésicos, os mais usados por conta própria

No entanto, algumas pesquisas revelam que o antibiótico não é o único vilão dessa história. Um exemplo disso é a dissertação de mestrado da pesquisadora Ana Paula Dresch. Intitulado “Caracterização do nível de conhecimento sobre medicamentos prescritos e prevalência de automedicação por pacientes ambulatoriais odontológicos”,  o trabalho identificou que os analgésicos lideram a lista de medicações usadas por conta própria.
Ricardo Hayden alerta que o uso indiscriminado de paracetamol (princípio ativo de alguns analgésicos) pode causar lesão hepática irreversível. “Analgésicos, antiespasmódicos e remédios para gripe, como quaisquer outros, devem ser usados com cautela, porque não existe medicamento que esteja livre de efeitos colaterais indesejados”, afirma.
Hayden acrescenta que a solução para minimizar o problema é trabalhar profundamente com a conscientização da sociedade. “A mídia e os hospitais devem abordar mais este assunto. Diariamente, recebo pacientes com casos complicados devido à automedicação e isso é triste. Meu tio é um exemplo. O resultado foi um sangramento terrível que só parou após o atendimento por um médico na emergência”, conta.
Reações com uso indiscriminado 

Analgésicos e anti-inflamatórios-
Se usados incorretamente, podem agravar em problemas gástricos. Além disso, são contraindicados para quem já teve úlcera e têm ação anticoagulante que podem provocar hemorragias. Os anti-inflamatórios ainda prejudicam pacientes que têm problema cardíaco ou renal e agravam a hipertensão. No caso das crianças, eles são recomendados com cautela, pois estas reações podem ser ainda mais graves.
Antibióticos- Quando não são indicados por um especialista podem mascarar uma doença mais grave ou causar outros transtornos, como vômitos e diarreia. Sem contar que quando forem necessários em outro momento não surtirão o mesmo efeito, já que ocorre o fenômeno de tolerância. Um exemplo é o uso inadequado de antibiótico para uma doença viral como a mononucleose, comum em crianças, o que pode ocasionar o aparecimento de manchas vermelhas na pele, confundindo o diagnóstico ao remédio. “A automedicação com antibiótico pode ser tão perigosa que chega a causar germes resistentes, causando infecções e reações alérgicas.”, explica o médico.
Fitoterápicos- O uso incorreto pode provocar alterações na pressão arterial, problemas no sistema nervoso central, fígado e rins, que geram internações hospitalares e levam à morte. Deve-se ter cuidado também ao associar medicamentos com plantas medicinais, o que pode promover a diminuição dos efeitos ou provocar reações indesejadas.
O lado positivo
Mas, como tudo na vida tem dois lados, o paciente de hoje não é o mesmo de antes. O médico pode utilizá-la como ferramenta para oferecer um melhor atendimento ao seu paciente.
Confiança – Ao escolher um profissional, o paciente leva em consideração fatores como avaliações on-line, desempenho do profissional, artigos publicados, vídeos e relacionamento em mídias sociais.
Concorrência – Diferentemente do passado onde uma clínica ou consultório tinha meia dúzia de páginas amarelas para anunciar, hoje, cada consultório tem o seu próprio site e perfil em redes sociais. Basta um clique e o paciente tem dezenas de opções para escolher. Neste caso, o profissional tem que saber explorar todas as possibilidades que a internet tem a oferecer para ganhar visibilidade e destacar-se entre os concorrentes.
Interação – Seja por e-mail, comentários em sites/blog ou nas mídias sociais, hoje médico e paciente têm inúmeras opções para manter o relacionamento médico-paciente. Um artigo bem escrito e esclarecedor pode ser a porta de entrada para começar um relacionamento.
Análises – Com o surgimento da internet, o nome do profissional ficou mais suscetível a criticas positivas e também negativas. O médico que cumprir sua obrigação, que é a de atender com ótima qualidade cada paciente, consequentemente, terá ótimas avaliações.
Muito além do monitor
Com a internet outro aspecto muito importante para os médicos. Hoje, qualquer paciente pode se informar sobre sua enfermidade e dialogar num nível mais elevado, com conhecimento de causa. Em alguns casos, a internet pode até se transformar numa segunda ou terceira opinião. Para Hayden, os médicos precisam estar permanentemente atualizados. “Essa ampla sabedoria que a internet nos dá obriga os profissionais a se informarem em dobro. Resumindo, não podemos saber menos que o paciente. Se ele chegar falando de uma nova doença ou terapia, nossa obrigação é saber dialogar à altura. Aí está outro lado positivo da internet: médicos muito mais atualizados”, argumenta.

Hayden destaca a importância do contato presencial. “Mesmo com este grande avanço, deve-se manter a relação médico-paciente através do olho no olho, conversas francas sobre sua família e antecedentes, hábitos. É primordial estabelecer uma conversa franca entre os dois sem influências de fora”, conclui.