*Mírian Ribeiro
Após dois anos de estudos sobre o avanço do mar em Santos, envolvendo cientistas brasileiros e estrangeiros, está dado o veredicto: é preciso começar o quanto antes as obras e soluções propostas se não quisermos deixar para as futuras gerações um legado no mínimo preocupante.
A avaliação do Projeto Metrópole, estudo inédito e mundial também realizado nas cidades costeiras de Broward (Estados Unidos) e Selsey (Inglaterra), é que, se nada for feito, até 2050 o nível do mar pode subir 36 cm em Santos, chegando a 45 cm em 2100. O que significa que parte da Ponta da Praia, Aparecida, Embaré, Boqueirão e bairros da Zona Noroeste vão ser severamente castigados com enchentes e alagamentos.
Uma situação que pode ser minimizada se houver vontade política, recursos financeiros e disposição em investir e a sociedade se mobilizar para cobrar ações do Poder Público. Na relação custo/benefício, a balança demonstra que as medidas propostas, ao custo estimado de R$ 238,4 milhões, podem evitar prejuízos de R$ 1,28 bilhão.
Na realidade, a relação custo/benefício é bem maior, já que os valores dos prejuízos estão subestimados no estudo, que considerou apenas o valor venal dos imóveis, sem incluir custos com infraestrutura, como asfalto e pontes.
O que precisa ser feito
Obras de drenagem, elevação de muros de proteção na orla, recuperação do mangue, drenagem, implantação de comportas para controle de marés em rios e até o engordamento de praias (aumento artificial da faixa de areia) estão entre as medidas propostas pelo Projeto Metrópole.
As providências sugeridas não têm nada de mirabolantes, embora possam causar polêmica (com o aumento, a faixa de areia pode avançar para o jardim, que, por outro lado, corre o risco de desaparecer caso nada seja feito) e exigir soluções complexas, como o remanejamento de moradores para recuperação dos manguezais.
“Essa é uma medida particularmente complexa, pois envolve recuperar um mangue que não existe mais porque há população morando no local”, avalia a pesquisadora da Unicamp, Luci Hidalgo Nunes.
Sem pânico
A conclusão dos cientistas, entretanto, não é motivo para pânico, como eles próprios alertam. “Nenhuma área da cidade ficará inundada de forma permanente. Essa elevação do nível do mar não significa que todas as pessoas ficarão com água na porta de suas casas. Mas haverá sérios problemas se nada for feito, pois teremos mais tempestades, ressaca e mudanças de parâmetros no dia a dia da Cidade”, avalia o coordenador do Projeto Metrópole, o físico e engenheiro José Marengo.
Obras propostas
Em Santos, a pesquisa considerou uma possível área impactada em cerca de 2 km² na orla, onde há 34 mil habitantes e 1.400 lotes fiscais. Na Zona Noroeste, considerou cerca de 11 km², onde moram algo em torno de 83 mil pessoas em 20 mil lotes. A Zona Noroeste exigirá a maior parte dos recursos: R$ 201,9 milhões para evitar danos estimados em R$ 236,4 milhões. Na Zona Leste, onde os imóveis são mais valorizados, as obras demandariam investimentos de R$ 36,5 milhões. Em contrapartida, se nada for feito, os prejuízos podem chegar a R$ 1,04 bilhão.
Mobilização da sociedade
Aos pesquisadores coube estudar e apresentar o diagnóstico. O que será feito agora? Interromper projetos e obras a cada mudança de governo é uma prática comum no Brasil, uma ameaça para todo o esforço científico. No dia 1º deste mês, a Prefeitura publicou no “Diário Oficial” a criação de uma comissão responsável por planejar estratégias de adaptação ao clima para a cidade. O que isto significará na prática, só o tempo dirá.
“Qualquer medida é efetiva quando tem a participação de quem é afetado”, afirma Luci Hidalgo, chamando à população a se mobilizar. “O futuro já começou. As obras têm que ser viabilizadas o quanto antes. As mudanças climáticas já estão acontecendo”, adverte. “Nós queremos deixar algo para que a cidade continue. Deixar um legado. Se sai caro para fazer, o custo de não fazer nada será muito maior”, completa José Marengo.
Por que Santos?
Santos foi escolhida pelos cientistas por manter preservados arquivos históricos de elevação da maré e por já ter sido objeto de várias pesquisas. No estudo, pesquisadores tiveram apoio de dois engenheiros da Prefeitura, que repassaram dados oficiais de elevação do mar, impactos na orla e aspectos da drenagem na Zona Noroeste, entre outros. No Brasil, o estudo envolve pesquisadores do Cemaden, Inpe, Unicamp, USP e Instituto Geológico de SP.
Algumas obras para evitar o pior:
Dragagem – Aprofundamento do leito do Rio São Jorge até às margens do Largo da Pompeba e de parte do Rio dos Bugres, que banham a Zona Noroeste. Esses locais terão que receber comportas para barrar o avanço da maré.
Recuperação dos mangues – Retirada das casas que ocupam as áreas de mangues (capazes de absorver o impacto das ondas) para desimpedir a passagem da água do mar.
Engordamento da areia – Aumento da faixa de areia entre a Ponta da Praia e o Embaré, em processo contínuo, a cada dois anos, pois os movimentos da maré tendem a levar sedimentos. Também são sugeridos muros de proteção e sistema de bombeamento e melhoria de comporta dos canais.