Sala de Ideias

Saudades do que não vivi

13/06/2023
Divulgação

Adilson Luiz Gonçalves

Visitamos o Farol Santander, antiga sede do Banespa, na capital paulista!

Valeu cada minuto, do imponente saguão de entrada, com seu magnífico lustre, ao 31º andar, passando pelo mirante, com sua espetacular visão de Sampa; e por todas as exposições, inclusive a que deixou bem claro a diferença entre o grafite, como expressão artística, e a pixação, como ato de vandalismo. Mas, foram os dois andares da exposição “As Cantoras e a História do Rádio no Brasil” que mais me impressionaram.

Não vivi o auge da “Era do Rádio”, nas décadas de 1930 a 1950, porém, o convívio com minha mãe – que cantava muito bem as músicas dessa época – e escutar os programas de sábado à tarde do Projeto Minerva, nos anos de 1970, fizeram com que aquela exposição fosse mágica.

Algumas imagens dos filmes da Cinédia e da Atlântida estavam lá, comédias musicais que mesclavam o humor dos astros da época, como Oscarito e Grande Otelo, com lançamentos e sucessos musicais.

Curiosamente, o que havia sido um suplício, na minha infância e adolescência, quando só tínhamos um aparelho de TV em casa, de repente se transformou na surpresa de conhecer praticamente todos os personagens, inclusive já os tendo ouvido cantar em vida, nos “Almoços com as Estrelas”, “Clubes dos Artistas” e “Festas Baile” que era obrigado a assistir. Cheguei a cantar baixinho algumas de suas músicas, contendo o ímpeto de subir ao palco temático de videokê, instalado no saguão do prédio.

Naqueles tempos, o rádio era o entretenimento popular por excelência!

As rádios cariocas Nacional e Mayrink Veiga, e as paulistas Tupi e Bandeirantes eram campeãs de audiência, com seus jornais falados, radionovelas, programas humorísticos e de calouros, muitos dos quais foram posteriormente reproduzidos na TV.

Quantos cantores e cantoras foram “descobertos” nos programas de Ary Barroso e César de Alencar! Quantos riram desbragadamente com os esquetes do “Balança mais não cai”; choraram ouvindo a radionovela “O Direito de Nascer”; e torceram fervorosamente nas eleições de “Rainha do Rádio”?

A rivalidade entre os fãs de Emilinha Borba e Marlene perdurou por anos!

O rádio era o meio para ouvir suas vozes e o cinema, a oportunidade de vê-los.

Sem imagem, a consagração vinha pela voz, num tempo em que as cordas vocais eram mais importantes do que a região glútea, e a única situação em que havia o risco de ver mais do que mãos, braços e rostos era quando Cauby Peixoto tinha suas roupas arrancadas por fãs enlouquecidas.

Os cantores tinham nomes artísticos, mas, também, apelidos tão ou mais queridos e adotados pelo povo: A Pequena Notável, Sapoti, Caboclinho Querido, Blecaute, Chico Viola, Almirante, O Cantor das Multidões…

Alguns tinham o instrumento que tocavam como sobrenome: Jackson do Pandeiro, Edu da Gaita, Jacob do Bandolim…

Encantado com tudo o que via, das fotos de artistas aos enormes aparelhos de rádio, com suas várias faixas de onda, demorei mais tempo ao fitar a cantora que mais admiro daqueles tempos, que nunca envelheceu: a “Divina” Elizeth Cardoso!

Não sou saudosista em relação à minha vida. Se tivesse que voltar no tempo, só o faria se fosse para encontrar a mulher que amo, para viver mais tempo com ela.

No entanto, sinto saudades de um tempo não vivido, quando simplicidade, inocência e cortesia eram comuns. Tempo em que homens com ternos que podiam ser até de saco, tiravam seus chapéus, com desejo contido, para mulheres de saias rodadas, cujo olhar e o decote valiam mais do que a vulgaridade.

Atualmente, muita coisa melhorou, enquanto muita coisa boa se perdeu.

Faz tempo que não ouço um realejo “a remoer melodias de uma ternura sem par”…

*Adilson Luiz Gonçalves é membro da Academia Santista de Letras, escritor, engenheiro e pesquisador universitário.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.