O combate ao racismo e às violências contra as mulheres é um processo que precisa ser sólido como uma construção — tijolo por tijolo. E Alzira Rufino colocou imensos e numerosos blocos nos pilares desta empreitada.
Enfermeira por formação, Alzira fundou em 1990 a Casa de Cultura da Mulher Negra, um local de apoio a mulheres vítimas de violência, principalmente as que sofriam preconceito racial e violência doméstica.
Eu conheci Alzira Rufino em 1992, ainda estudante, para fazer uma reportagem ao jornal da faculdade sobre um evento que discutia racismo na Casa de Cultura da Mulher Negra. Foi também quando conheci Toninho Dantas, o agitador cultural que se engajava nas causas mais urgentes e necessárias.
Nesse dia, o fim do evento foi invadido pelo saboroso aroma da feijoada que era preparada na simpática e acolhedora casa na rua Primo Ferreira. Totalmente seduzido, eu avisei: “Vou comer uma feijoada”.
Alzira respondeu: “Vai ter que voltar no sábado que vem porque já foram todas vendidas”, tal era o reconhecimento da qualidade do prato afro-brasileiro.
Mais ou menos nessa época, Alzira promoveu a visita do fotógrafo francês Pierre Verger a Santos. Fui conhecê-lo mais interessados nas brilhantes fotos que ele registrou na época em que morou em Salvador (BA) e acabei tendo uma verdadeira aula sobre a cultura afro-brasileira.
Eu não sabia, mas Verger era etnólogo, antropólogo e detentor de um acervo com mais de 60 mil registros fotográficos, três mil volumes de livros e documentos e um catálogo com 3.500 plantas medicinais. Virou adepto do Candomblé e ele próprio tornou-se um babalaô.
Alzira Rufino tinha e respeito de personalidades como Pierre Verger e diversa entidades. Sua trajetória pessoal a credenciava para receber homenagens como o prêmio Zumbi dos Palmares e a Medalha Ruth Cardoso, conferidos pela Assembleia Legislativa de São Paulo.
Ela começou a trabalhar ainda criança e, aos 17 anos, foi ajudante de cozinha em um hospital. Estudou em formou-se em Enfermagem e intensificou sua atuação na defesa das mulheres negras.
Em 1985, Alzira organizou a primeira Semana da Mulher da região da Baixada Santista, reunindo todas as organizações de mulheres. Em 1986, fundou o Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista, um dos mais antigos grupos de mulheres negras do Brasil. E, em 1990, fundou a Casa de Cultura da Mulher Negra (CCMN).
A atuação de Alzira foi decisiva para a criação de diversas leis e serviços, como a casa-abrigo de Santos (2000), leis contra o racismo e a violência à mulher na Baixada Santista; Criação da Lei Federal da Notificação Compulsória da Violência Doméstica pelos Serviços de Saúde Públicos e Privados (2003).
Alzira Rufino faleceu na quarta-feira (26), aos 73 anos, deixando a companheira Urivany Carvalho e milhares de amigos e admiradores, pessoas gratas por sua dedicação incondicional à causa. Evidente que há muito a ser feito, mas Alzira deu sua contribuição decisiva.