A tragédia ocorrida no Litoral Norte de São Paulo tem a mesma dinâmica da queda de um avião. As perdas de vidas humanas e materiais não podem ser atribuídas a uma única causa, muito menos ser colocada a responsabilidade em uma entidade divina — São Pedro, Netuno, Deus…
A queda de uma aeronave é a consequência de uma série de erros (humanos, em equipamentos), podendo a ser aliadas a condições alheias à vontade humana (uma condição meteorológica, por exemplo).
Em enchentes e deslizamentos de encostas ocorre o mesmo. São vários os fatores que levam ao desastre, mas os mais determinantes são obra do ser humano. Há tempos os cientistas alertam que a temperatura do planeta vem aumentando, o que seria um processo natural inerente ao desenvolvimento do globo terrestre. No entanto, o aquecimento global vem se acelerando por conta da queima de combustíveis fósseis e o desmatamento de grandes florestas nativas, como a Amazônia.
Uma consequência imediata disso já estamos sentido e a tendência e se acentuar: chuvas mais intensas em um menor intervalo de tempo. Litoral Norte, por exemplo, choveu mais de 600 litros de água por metro quadrado em menos de 24 horas.
Não foi o episódio isolado. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre 2000 e 2019, foram mais de 16 mil mortes em enchentes e deslizamentos de encostas. Os danos materiais foram avaliados em mais de R$ 50 bilhões.
“A frequência destes eventos extremos não diminui mais, ao contrário, vai aumentar”, alerta o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do mundo no assunto. Além de chuvas cada vez mais fortes, teremos também ondas de calor, secas e ressacas do mar mais intensas.
Desmatamento
Em 2004 o desmatamento da Amazônia atingiu um dos maiores níveis da história, foram cerca de 27,7 mil km² (o tamanho do estado de Alagoas). Desde então, o ritmo vinha diminuindo. Chegou ao menor valor em 2012 (1,2 mil kmn²), mas voltou a crescer a partir de 2016. A velocidade do desmatamento aumentou a partir de 2019. Em 2022, foram devastados 10,5 mil km². Os dados são do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), baseado na análise de fotografias obtidas a partir de satélites.
A vegetação nativa (ou ausência dela) influencia no aumento da temperatura atmosférica e, consequentemente, na quantidade e frequência das chuvas. As florestas são consideradas estoques de carbono, e sua remoção leva à maior emissão de gases do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2).
Além disso, ocorre nas florestas um processo chamado evapotranspiração, no qual a própria vegetação absorve a umidade do ar, reduzindo a força das chuvas.
Ocupações irregulares
As perdas de vidas em temporais normalmente estão associadas à ocupação de áreas irregulares, principalmente em encostas de morros ou próximas a cursos d´água. Por falta de opção, as parcelas mais humildes da população acabam indo morar nestas regiões, devido ao preço da compra ou aluguel da moradia e da proximidade de seus locais de trabalho. Nesta ocupação sem planejamento, interrompem ou desviam cursos de rio, retiram a vegetação que ajudaria a evitar desbarrancamentos de encostas ou, ao contrário, impermeabilizam o solo e potencializam a força da enxurrada.
Em uma expressão: falta de planejamento urbano. Ao mesmo tempo que permite a ocupação destas áreas irregulares, o poder público não viabiliza projetos habitacionais que garantam segurança e conforto.
É um problema nacional. Segundo o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, há no Brasil 14 mil áreas de risco sujeitas a alagamentos ou deslizamentos, onde vivem 4 milhões de pessoas.
As soluções
Problemas complexos exigem soluções igualmente complexas e de difícil execução. Uma das medidas é atenuar os efeitos do aquecimento da temperatura do planeta. “O desafio da humanidade é não deixar a temperatura do planeta aumentar 1,5 graus. E isso se faz reduzindo 50% da emissão de gases que provocam o efeito estufa até 2030”, afirma o climatologista Carlos Nobre.
Outra providência é a desocupação destas áreas de risco, com a construção de unidades habitacionais dignas e logisticamente viáveis para seus moradores. E, além de evitar novas ocupações, recuperar as áreas nativas já degradadas.
Enquanto isso não acontece, o poder público deve adotar ações de prevenção e alerta, com o desenvolvimento de modelos de previsão de eventos extremos, para auxiliar na tomada de decisões em situações de emergência, como o acionamento de sistemas de alerta e a evacuação de áreas de risco.
Além disso, é preciso realizar obras, como a construção de sistemas de drenagem e escoamento das águas pluviais, contenção de encostas, com muros de arrimo e barreiras de concreto. Inclui também a ampliação das áreas verdes e a preservação dos cursos d’água e das nascentes.