Daniel Grajwer
É preciso expandir os investimentos em programas de combate à pobreza para diminuir as desigualdades
Nada que uma pessoa com ideias liberais pense hoje já não foi dito por pessoas muito mais brilhantes no passado, como o Nobel de Economia Milton Freedman ou o ex-presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Mas em uma sociedade hiperconectada, em que todos sofrem um verdadeiro engarrafamento de informações, estamos expostos a um excesso de opiniões que muitas vezes apenas nos impedem de chegar até o final da estrada, onde está o conhecimento que nos será útil para pensar como sociedade.
Ciente deste problema, tenho pensado muito ultimamente no bem-estar da sociedade, em como poderíamos melhorar a vida das pessoas. Sobre isso, há pontos de vista muito diferentes, até mesmo de estudiosos independentes e renomados. Mas é preciso que alguns conceitos sejam revisitados.
A fórmula adotada pela maioria dos países é muito simples: faça programas de combate à pobreza, assim como o Brasil já fez, a exemplo do Fome Zero e o Luz para Todos. O que falta nesta estratégia seria apenas expandir os investimentos para diminuir as desigualdades. É, portanto, uma questão política e de priorização. E, infelizmente, em nosso país, vivemos em uma pirâmide em que os poucos do topo tomam as decisões pelos muitos da base.
Ainda que aos trancos e barrancos, muitas políticas públicas são aprovadas e implementadas. E não vamos entrar aqui no mérito de eficiência e efetividade delas. Mas sim, questionar, quem financia isso? Ora, você pode dizer que é o Governo, é claro. Mas a própria ideia de Governo é muito ampla, muito vaga. Governos não são nada mais do que grupos de pessoas – e não são coesos – são plurais e com interesses que podem ser antagonistas.
E estes mesmos grupos de pessoas estão cada vez menos dispostos a pagar impostos, um dos principais mecanismos de financiamento dos governos. Pergunte-se, por exemplo, se você, enquanto cidadão, consumidor, assalariado, investidor, enfim, qualquer papel desempenhado por um ator social, está disposto a pagar ainda mais para financiar uma nova iniciativa do Governo, tendo em vista que se conhecem todas as falcatruas e ineficiências que podem ocorrer. A crise mostra que a carga de tributos já é pesada demais. E anunciar aumento de impostos é politicamente muito complicado. O que o Governo (leia-se aqui governantes) faz é aumentar os impostos de uma maneira indireta e ardilosa. O nome deste mecanismo é a inflação.
Neste jogo desonesto os mais impactados estão naquele grupo da população que não tem ativos o suficiente para se proteger de um aumento de preços, são as classes mais pobres. Então, ainda que o Governo aplique programas sociais, se não criar alternativas de financiamento que mantenham o equilíbrio econômico do país, ele só concede ajuda financeira, ao mesmo tempo que faz com que este dinheiro perca o seu valor ou poder de compra. É a distorção entre a narrativa e o fato. Em inglês, este fenômeno se chama poverty trap, ou armadilha da pobreza. Ou seja, os próprios governantes criam condições econômicas para que os mais pobres jamais consigam sair de sua condição e impedem sua ascensão social, seja pelo trabalho ou pelo empreendedorismo, devido à sua própria condição enquanto pobre.
Mas aonde eu quero chegar é: os programas sociais são essenciais, mas não é possível fazê-los sem pensar em uma forma mais inteligente de financiá-los. Da forma como tem sido feito até aqui só acabou tornando o país menos competitivo. O desequilíbrio das finanças públicas, a inflação alta e a consequente desvalorização da nossa moeda têm apenas aumentado o custo de vida, desestimulando o consumo e ancorado o país em patamares baixíssimos de desenvolvimento, perto do potencial que já alcançamos no passado.
Vamos pensar, por exemplo, na educação e na saúde privada, que sempre tiveram custos inalcançáveis para a maior parcela da população. Isso significa que os mais pobres sempre dependeram das escolas e hospitais públicos que, salvo exemplos heroicos, são deficitários. Agora, olhem como é complexo, e ao mesmo tempo, ineficiente: temos vagas em escolas e hospitais privados desocupadas pela falta de demanda, e uma grande parcela de pessoas sem atendimento na esfera pública. De que forma essas duas esferas poderiam se encontrar para resolver o problema?
Uma solução parecida já aconteceu, por exemplo, com os programas ProUni e FIES, do governo federal, que concedem financiamento público para estudantes cursarem faculdade em instituições de ensino privadas. Ao mesmo tempo que aumenta o acesso ao ensino superior e cria uma maior massa de mão de obra qualificada para o mercado, essa transferência para o setor privado gera mais empregos e aquece a economia.
Isso parte de uma ideia de que o Governo reconhece que não pode resolver todos os problemas sozinho de uma vez, e de que existe um empresariado no país disposto a cumprir um papel social, sem se afastar de seus interesses econômicos. Acontece que ideias como estas barram na resistência de organizações, associações e sindicatos, que desconfiam da mera possibilidade de interação entre o público e o privado, e defendem a universalização dos serviços públicos. Eu não os culpo, é claro, estão apenas defendendo os próprios interesses. Mas é preciso refletir se o Estado puramente paternalista é sustentável. O Brasil recente já mostrou que não é.
Após estas reflexões, e diante de um ano eleitoral decisivo para o futuro do país, independente de sigla ou ideologia, enquanto não houver um candidato que tenha como bandeira – por meio de limitação constitucional – a redução substancial do custo do governo e da inflação sem, contudo, esquecer dos mais pobres, jamais avançaremos na questão social. Enquanto o Governo não se dedicar em resolver a conjuntura, aquilo que a iniciativa privada não consegue fazer, e acreditar mais nas nossas empresas para resolver problemas cujas soluções ela já detém, estaremos para sempre tratando os sintomas, sem nunca resolver o problema.
Daniel Grajwer é jornalista, autor e economista pela universidade Haptuha de Israel