Há seis dias regulares de jejum no ano judaico. Durante esses tempos, os judeus adultos não podem comer nem beber – até mesmo água (há exceções para pessoas com problemas de saúde).
Exceto por Yom Kippur, esses dias de jejum foram estabelecidos por causa das catástrofes e do sofrimento que ocorreram nas datas correspondentes.
O jejum do Yom Kippur é um dos rituais judaicos mais amplamente observados, mesmo entre aqueles que não vão regularmente à sinagoga.
Kippur é um dia separado pela Torá para nós “praticarmos a abnegação” (Levítico 23:27). A “abnegação” que parece ser mais expressiva do Yom Kippur é o jejum, abstendo-se de comida e bebida o dia todo.
O jejum é uma oportunidade para cada um de nós observar Yom Kippur da maneira mais pessoal. É um dia de intensa auto busca e comunicação sincera com o Todo-Poderoso. Essa busca requer uma calma interna que deriva da desaceleração de nosso ritmo biológico.
O jejum no Yom Kippur fornece a chave para o nosso despertar interior.
Em Yom Kippur, buscamos a reconciliação com Deus e com a humanidade. O arrependimento (teshuvá) envolve uma auto avaliação crítica do ano anterior e a resolução de evitar lapsos de sensibilidade no futuro.
Teshuvá requer disciplina. Nosso jejum no Yom Kippur demonstra nossa disposição de nos submetermos à disciplina.
Como podemos expiar nossos excessos para com os outros, a menos que possamos conter o apetite que depende de ninguém além de nós mesmos?
Estabelecer limites para nossa própria conduta neste assunto muito particular é iniciar o caminho para controlar nosso comportamento público.
O jejum de Yom Kippur vai além de nosso despertar espiritual interior e disciplina em nosso comportamento ético.
Na Haftará [leitura profética] do profeta Isaías, que lemos na manhã do Yom Kippur, nos fornece o objetivo final do nosso jejum – desbloquear os grilhões da injustiça, desfazer os grilhões da escravidão, deixar os oprimidos irem em liberdade, compartilhar pão com os famintos (Isaías 58: 1-14).
Entretanto, os sentimentos espirituais são geralmente muito sutis; frequentemente temos que fazer algum esforço para reconhecê-los.
A Halachá (lei judaica) nos ajuda nesse processo. Ao especificar comportamentos particulares e ditar quando eles devem ser realizados, a halachá fornece sensações físicas que apontam para realidades espirituais.
Sentir fome em um nível físico nos ajuda a acessar o conceito de desejo e necessidade em um nível espiritual.
Exigir o jejum em dias que exigem arrependimento nos ajuda a ativar o desejo que temos de trilhar um caminho que conduz a um mundo retificado.
A fome pode promover nosso arrependimento quando bem empregada, e não ignorada.
O jejum pode causar uma forte sensação de limpeza ou até mesmo catarse.
Em um nível físico, isso pode ser uma função de eliminar o lixo de alimentos industrializados ou um ambiente contemporâneo rico em produtos químicos.
Em um nível emocional, talvez seja sobre limpar a sujeira acumulada de emoções ignoradas e obter algum insight (muitas vezes doloroso) sobre o que está por baixo.
Também, o jejum torna a reflexão espiritual e a meditação mais fáceis.
Muitas vezes, sem o alimento, a dinâmica do pensamento diminui e torna-se bastante satisfatório apenas "estar aqui agora".
Em um estado concentrado, a mente pode visitar territórios que estão além do nosso alcance.
Em Yom Kippur em particular, esses efeitos do jejum são intensificados pela comunidade e pelo conhecimento de que centenas de milhares de pessoas estão fazendo esse trabalho interno ao mesmo tempo que nós.
Se fizermos uma prática espiritual só quando temos vontade, isso é realmente uma disciplina espiritual?
O jejum de Kippur acontece quer você queira ou não. Leva a religião além do ego.
Dias marcados para o jejum podem levar a lugares que são fantasticamente bonitos: é possível se tornar, embora temporariamente, mais amoroso, mais receptivo e mais grato, simplesmente mudando a bioquímica do corpo por um dia.
Entretanto, como Isaías disse, jejuar sem coração não é garantia de piedade. Mas, com intenção e atenção, pode levar exatamente à compaixão que o profeta e o mundo exigem.
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