Enoleitores,
O vinho nos permite viver momentos diferentes e marcantes. Relembro o dia em que estive com o enólogo Antônio Saramago, o mais antigo de Portugal, o único com 50 anos de profissão e ainda em plena atividade, produzindo excelentes vinhos na região de Setúbal, mais precisamente no Azeitão.
Recordo- me daquele dia, no restaurante Casa Nobre do Azeitão , onde ele e sua esposa, Alzenda, nos receberam à volta da mesa, saboreando os pratos típicos locais, harmonizados aos seus excelentes vinhos. Mas hoje vou me dedicar a descrever o vinho que tocou meu coração, por ser delicioso, mas, principalmente, pela sua elaboração, – uma homenagem ao seu pai. Indiretamente, ao levá-lo, ainda menino, junto para trabalhar na tradicional vinícola Jose Maria Da Fonseca, permitiu que o filho vivenciasse todo aquele universo e se apaixonasse pela arte de elaborar um bom vinho.
Estou me referindo ao J.M.S. 1988 – Moscatel de Setúbal Superior. Não me prendo ao fato deste ter sido premiado pela Wine Advocate ou Robert Parker, mas sim o motivo pelo qual foi elaborado. E tive o privilégio de ouvir o enólogo, com os olhos marejados de emoção e saudosismo, ler sua dedicatória no rotulo do vinho: “Só hoje, que conto com mais de 40 anos consecutivos de enologia, víndimas e trabalho de adega, é que percebo o amor e apego que o meu Pai tinha à sua profissão. Trabalhando de sol a sol todos os dias do ano, anos a fio, havia mais do que uma ocupação profissional no que o fazia. Estava sempre a trabalhar na adega, acarinhando e crescendo com os néctares fantásticos que estagiavam naquelas pipas de moscatel. Era a sua própria identidade, a sua forma de estar e o seu caráter. É, que vivendo o vinho como o meu pai viveu, já não se sabe se somos nós que o fazemos, se é ele que nos perscruta a nós, ensinando-nos o que fazer. Este vinho nasceu exatamente assim. Foi pelas minhas mãos, mas não fui eu que o fiz. Por isso o dedico ao meu Pai”.
Tais palavras nos fazem refletir sobre como é importante quando a gente pode criar algo com a alma, por inteiro, e ainda ter a humildade da gratidão pelo investimento afetivo de seu pai, assim como com a empresa, que colaborou para que despertasse para sua real profissão. Não é por acaso que António Saramago é um enólogo destacado e deve ser reconhecido como tal.
Este vinho apresentava uma coloração âmbar; exalava aromas cítricos como os de laranja, figos secos, toque floral; no paladar, doce, boa acidez, untuoso, elegante, ótima persistência. Combinou muito bem com a típica sobremesa elaborada pela sua esposa, a famosa Torta do Azeitão (uma espécie de rocambole de ovos) ao perfume de laranja recheado de creme de gemas. Esse são aqueles momentos que nos enriquecem como pessoa, deixando as lembranças que sempre o vinho nos proporciona…
Enoabraços é uma ótima semana!