Fronteiras da Ciência

Tigelas de Madeira

20/10/2023
Tigelas de Madeira | Jornal da Orla

As palavras do garoto foram um golpe para os pais, que ficaram mudos por alguns minutos.

Aquele homem de cabelos brancos, trazendo no rosto as profundas marcas que o tempo esculpiu, certamente tinha acumulado muitas experiências, no decorrer de tantos anos.

Empregara seu tempo de juventude construindo o futuro e amparando a esposa e os filhos.

Agora, que suas forças físicas estavam diminuindo e o corpo quase não obedecia aos comandos do cérebro, ele foi viver com um dos filhos, a nora e o neto de 6 anos.

Sentia-se um intruso naquele lar. Tinha saudades da esposa, que havia morrido, há alguns anos.

Nos primeiros dias, o vovô se sentava à mesa para fazer as refeições junto com os familiares. Mas a nora não estava gostando que aquele velho de mãos trêmulas derramasse alimentos sobre a mesa e no chão.

A visão embaralhada e as mãos que tremiam deixavam rolar algumas ervilhas, derramavam o leite do copo, sujavam a toalha, emporcalhavam o assoalho.

Não suportando essa situação, o filho e a nora providenciaram uma mesa pequena e a colocaram no canto da sala.

Ele deveria comer lá, sozinho, pois, além de tudo, o barulho das suas mastigadas rudes também incomodava o jovem casal.

O velho homem havia quebrado 2 pratos e, por isso, passou a comer numa tigela de madeira, por ordem do seu filho.

O neto era a única pessoa que se aproximava do avô e só ele percebia que, vez em quando, uma lágrima rolava discretamente daqueles olhos.

Apesar da pouca idade, o garoto sentia que as lágrimas eram por causa do abandono e da solidão e tentava animá-lo, com sua alegria infantil.

Numa noite, em que o casal conversava na sala de jantar, o pai notou que o menino lidava com pedaços de madeira e, lhe perguntou interessado:

Filho, o que você está fazendo com essas madeiras?

O filho respondeu com a doçura e a inocência de sua pouca idade:

Estou fazendo duas tigelas de madeira. Uma para você e outra para a mamãe. Quando eu crescer e vocês forem morar comigo, precisarão delas.

As palavras do garoto foram um golpe para os pais, que ficaram mudos por alguns minutos.

Depois, entenderam a lição e grossas lágrimas rolaram dos seus olhos.

Naquela mesma noite, na hora do jantar, o marido foi buscar seu velho pai e o trouxe para se sentar à mesa e usar talheres e pratos como eles mesmo.

Sem entender o que estava acontecendo, aquele homem de cabelos brancos e rosto marcado por dores da alma, pôde novamente, fazer parte da família, apesar das mãos trêmulas e da visão embaralhada.

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