Empresas e profissionais do segmento de cruzeiros marítimos alertam que a instalação de um terminal de fertilizantes comprometerá o funcionamento do Terminal de passageiros no Porto de Santos.
Trata-se de uma novela, cujo título é uma sigla (STS 53), que setores específicos do segmento portuário e logística gostariam que tivesse a duração de uma minissérie —e essa pressa gera desconfiança em outros players do Porto de Santos.
Na quinta-feira (30) se encerrou mais um episódio desta saga: o prazo máximo para a entrega de “contribuições” para o arrendamento de um terminal a ser instalado num terreno de 87.981 metros quadrados na região de Outeirinhos, para movimentar e armazenar granéis sólidos minerais, especialmente fertilizantes e sulfatos.
Na quinta-feira anterior (23), foi realizada uma audiência pública, para receber críticas, sugestões e esclarecer dúvidas. Participaram representantes da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antac), do Ministério da Infraestrutura e da autoridade portuária do Porto de Santos (Santos Port Authority, ex-Codesp), além de empresários, profissionais do segmento turístico e consultores portuários.
O pressentimento de quem acompanha atentamente o processo é o de que a audiência pública e “coleta de contribuições” são para meramente cumprir as formalidades previstas em lei e que, na verdade, a decisão de arrendar a área, exatamente como prevista inicialmente, já está irreversivelmente tomada.
O projeto
Em sua concepção, o projeto STS 53 faz muito sentido, do ponto de vista do agronegócio brasileiro. Trata-se de construir um grande terminal para aumentar a movimentação e armazenamento de fertilizantes —insumo essencial para os megaempreendimentos agrícolas do Centro-Oeste brasileiro. Em 2021, o Porto de Santos movimentou cerca de 1,6 milhão de toneladas e, com este novo terminal em pleno funcionamento, o volume saltaria para 5,6 toneladas por ano.
“Comparados com os demais produtos, os fertilizantes são a carga onde temos a menor participação de mercado, 21%, enquanto na maior parte das outras cargas a participação é de 60%, 70%. A importação de fertilizantes só não é maior porque Santos carece de capacidade especializada para receber o fertilizante destinado à sua região de interesse, o Centro-Oeste”, afirmou o presidente da SPA, Fernando Biral, durante a audiência pública.
Associado a este terminal, está outro projeto que tem como objetivo aumentar a eficiência logística do Porto de Santos. Atualmente, os trens chegam carregados com carga a granel (principalmente soja) para exportação e retornam vazios. A ideia é, então, que voltem carregados de fertilizantes.
Este objetivo será viabilizado com a instalação do STS 53 e também a chamada “Pera Ferroviária” — a grosso modo, seria uma bifurcação da linha férrea no formato da fruta. O governo federal pretende implantar esta parte do projeto onde hoje está situado o terminal da Marimex — mas esta é uma outra polêmica à parte: após uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), o grupo Marimex garantiu a continuidade de suas operações até 2025, ano do fim do contrato da Portofer, empresa que administra o sistema ferroviário atualmente.
Risco ao terminal de passageiros
Se por um lado ajuda o agronegócio do Centro-Oeste, o STS-53 ameaça comprometer a operação do maior terminal de navios de cruzeiros do Brasil, responsável por cerca de 70% dos embarques e desembarques de passageiros do país, não só durante as obras de construção de terminal de fertilizantes mas também quando ele estiver operando.
Esta preocupação foi manifestada por diversos integrantes do segmento turístico, como o presidente da CLIA Brasil (Cruise Lines International Association), Marco Ferraz, que representa as empresas de navios; e o presidente da Associação de Profissionais de Turismo (APT), Eduardo Silveira. “Imagina 350 mil passageiros precisando sair do terminal em meio a obras. Estamos com investimentos no Brasil, precisamos dessa garantia”, exemplificou Marco Ferraz.
A Concais, que opera o terminal de passageiros, alerta que o funcionamento do terminal vai inviabilizar a operação dos navios de cruzeiros. A empresa destaca que a instalação de equipamentos fixos aéreos e de solo no local para atracação de navios de fertilizantes vai invadir o calado aéreo, inviabilizando a operação no próprio cais e no deslocamento de passageiros de navios atracados em outros berços.
O Ministério da Infraestrutura nega, afirmando que “o projeto prevê a coexistência pacífica entre ambos os terminais bem como das diferentes tipologias de carga”.
Mas, então, qual a solução?
O consultor portuário Fabrizio Pierdomênico, que já foi diretor da autoridade portuária de Santos, avalia que a operação simultânea fertilizantes e passageiros será “problemática” e sugere que o processo licitatório do STS 53 seja suspenso, para que as obras do terminal só comecem após o Terminal de Passageiros ser transferido do atual local (Outeirinhos) para a região do Valongo.
Na audiência pública, Pierdomênico destacou que a suspensão seria benéfica até mesmo para o projeto do STS 53: a transferência do terminal de passageiros para o Valongo deixaria a área hoje ocupada pelo Concais disponível para a operação de cargas.
A diretora de Operações do Concais, Sueli Martinez, ressalta que a empresa nunca se opôs à transferência. Ao contrário: atendendo solicitação da SPA, elaborou e protocolou um projeto de terminal para a região do Valongo.
Esta transferência tem apoio da Prefeitura de Santos. Em reunião com o diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery, no dia 25 de julho, o prefeito Rogério Santos reforçou o pedido já encaminhado à Antaq, para que o leilão da área do STS53 ocorra após a finalização da construção do novo Terminal de Passageiros no Valongo. “Não há dúvida de que o STS 53 vai impactar diretamente na movimentação de passageiros”, disse.
Nery contestou: “A nossa premissa é que o STS 53 não impacte as atividades do terminal de passageiros, dos navios de turismo, até pela importância que tem para a economia. Então, nós vamos estudar alternativas, não necessariamente tem que se esperar a conclusão do novo terminal para se começar o STS 53. Há um compromisso de que a implantação do STS 53 não cause nenhum impacto dentro das operações dos navios de turismo. Mas vamos considerar todos esses pontos que foram trazidos pela Prefeitura para a gente ter um modelo robusto e que traga eficiência, modernização e produtividade para o porto e que não cause nenhum transtorno na relação porto-cidade”, disse.
Ministério da Infrastrutura, Antaq e SPA reconhecem que a transferência para o Valongo é a solução ideal mas insistem em dar prosseguimento à licitação do STS 53. Observadores atentos do processo interpretam que a conduta parece a estratégia usada por uma mãe quando não quer comprar algo que o filho pede: “na volta a gente compra”.
O terminal de fertilizantes seria construído ao lado do de passageiros, e o novo terminal de cruzeiros no Valongo não sairia do papel.
Para que tanta pressa?
O desenrolar do processo licitatório deixa o pressentimento de que se quer imprimir uma velocidade maior do que a cautela recomenda.
O prazo para o recebimento de “contribuições” foi adiado cinco vezes: de 1º de outubro de 2021, para 16 de novembro de 2021; depois para 16 de dezembro; em seguida para 16 de janeiro; depois para 16 de maio; depois 15 de junho e agora se encerrou em 30 de junho.
O objetivo do governo federal é terminar todo o processo licitatório e assinar o contrato com o vencedor antes do final do ano. Trata-se de um contrato de 25 anos, no qual o arrendatário deve realizar investimentos de R$ 659 milhões. O plano da Antaq é que o terminal comece a operar em 2026, movimentando 1,6 milhão de toneladas e, a partir de 2027, 5,6 milhões de toneladas por ano.
O governo federal assegura que o edital da concorrência pública levará em consideração as “contribuições” apresentadas e será submetido ao Tribunal de Contas da União (TCU). O que não é garantia de que o assunto não seja judicializado e acabe tendo que ser resolvido no ano que vem, quando haverá um novo governo.