Cena

Quando o mundo finalmente fez sentido

12/04/2025 Gustavo Klein
Gustavo Klein

Aos 48 anos, Janaína Borba recebeu um diagnóstico que mudou sua vida para sempre: autismo. A partir dali, tudo o que parecia desencontro passou a ter nome, cor e sentido. Nesta entrevista emocionante, ela revela sua jornada de dor, descoberta e transformação – e como decidiu compartilhar sua história para ajudar outras pessoas a encontrarem seu próprio caminho.

Durante boa parte da vida, Janaína Borba se sentiu deslocada, como se falasse uma língua diferente do mundo ao redor. Profissional competente, sensível e apaixonada por tecnologia, carregava consigo uma inquietude silenciosa, um esforço diário para caber num molde que nunca foi feito para ela. A explicação só viria muito tempo depois – aos 48 anos, no meio de uma pandemia e de um turbilhão emocional. O laudo de autismo, recebido já na vida adulta, foi o ponto de virada: doloroso no começo, libertador em seguida.

“Foi como se minha vida inteira, até então, tivesse finalmente ganhado legenda”, conta ela. Janaína passou a relatar nas redes sociais seu cotidiano sob a ótica do autismo, com uma delicadeza que cativa. Tornou-se, sem pretensão, uma influenciadora do tema. Seus relatos emocionam, acolhem e inspiram quase 10 mil seguidores – e deixam um recado claro: é possível viver bem com autismo, respeitando quem se é de verdade.

O trauma que despertou tudo

A história ganhou contornos mais evidentes há cerca de dez anos, após um episódio de violência. “Sofri um assalto à mão armada, uma saídinha de banco. Aquilo me quebrou por dentro”, lembra. O medo, que já era uma sombra constante, cresceu e tomou conta. Janaína passou a ter crises de pânico, ficou um mês trancada em casa, sem conseguir sair. Ao procurar ajuda médica, recebeu diagnósticos como síndrome do pânico, ansiedade e até esquizofrenia. “Foi um choque. Comecei a tomar medicamentos fortes, mas ainda assim, nada parecia realmente explicar o que eu sentia.”

Um quebra-cabeça sendo montado

Encaminhada a uma psicóloga, começou um processo profundo de investigação. “Ela foi percebendo sinais: seletividade alimentar, distúrbios do sono, ecolalia, sensibilidade sensorial extrema.” Janaína descreve como, mesmo em uma conversa comum, sons ao fundo a atingem de forma avassaladora. “O barulho do ventilador, por exemplo, para mim soa como um helicóptero. Isso embaralha minha memória, meu raciocínio.”

Foram anos de análise até que a suspeita de Transtorno do Espectro Autista (TEA) se confirmou. O diagnóstico definitivo veio durante a pandemia, quando tudo se intensificou – o isolamento, a tristeza, o estranhamento do mundo. “Muita gente duvidou. Diziam: ‘Imagina, você é tão inteligente, tão comunicativa’. Mas quem falava isso também era quem sempre me chamava de ‘esquisita’, de ‘maluquinha’.”

A libertação do diagnóstico

Receber o laudo não foi apenas um nome em um papel. Foi um renascimento. “Hoje, entendo minha infância, minhas preferências, minha forma de ver o mundo. Sempre gostei de tecnologia, de ficar sozinha, de observar.” E, apesar de ainda enfrentar julgamentos, ela não tenta mais se encaixar. “Agora, não mascaro mais minhas estereotipias. Me permito ser quem eu sou. E isso é libertador.”

O mito do autista gênio

Ela faz questão de esclarecer que o autismo não tem relação direta com genialidade. “Não somos superdotados. Temos hiperfocos.” No caso dela, tecnologia é uma paixão desde sempre. “Faço no celular edições que muita gente não consegue fazer nem no computador.” Além disso, o xadrez, o desenho e a corrida ocupam lugar especial em sua vida – hobbies que viraram também forma de expressão e conexão.

Para Janaína, é essencial que pais e educadores saibam reconhecer e valorizar esses interesses profundos. “Muitas vezes, o que é visto como ‘mania’ pode, na verdade, ser uma habilidade poderosa.”

Do silêncio à influência

No começo, falar publicamente sobre o diagnóstico causou receio. “Uma amiga me perguntou: ‘Por que se expor?’ E eu respondi: ‘Porque não tive ajuda de ninguém além dos profissionais. Aos 48 anos, quero ser o apoio que não tive’.” A partir dali, começou a usar seus hiperfocos para ajudar outras pessoas – como dar aulas de xadrez online – e criou um espaço no Instagram para compartilhar sua rotina com sinceridade e afeto.

Mesmo com críticas, Janaína nunca pensou em parar. “Recebi mensagens lindas. Uma amiga fotógrafa, por exemplo, disse que passou a suspeitar do autismo do filho por causa dos meus posts. Isso me marcou profundamente.”

Um farol para outras jornadas

Hoje, Janaína vive melhor. Não porque o mundo tenha mudado – mas porque ela aprendeu a respeitar seus próprios limites e a se acolher. “Se eu não tivesse buscado ajuda, talvez tivesse me afundado. Aprendi que cerca de 60% das pessoas em situação de rua têm transtornos psiquiátricos. Muitos são autistas. Eu poderia estar nesse grupo. Mas encontrei apoio – e quero ser apoio para outros.”

Em tempos de tantas vozes, a de Janaína ecoa com uma força tranquila e transformadora. Uma voz que, ao se tornar visível, mostra a muitos outros que também é possível encontrar sentido, leveza e afeto em um mundo que às vezes parece barulhento demais.

Quem quiser acompanhar a jornada de Janaína pode segui-la no Instagram: @janainab_autizando