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Plásticos biodegradáveis ​​fake: a Natureza não agradece

22/06/2023
Depositphotos

Ítalo B. Castro e Paula C. Jimenez

Nas últimas décadas, a quantidade de detritos plásticos em ambientes naturais tem aumentado de forma drástica, gerando impactos sobre os ecossistemas costeiros, marinhos e terrestres. Paralelamente, os avanços científicos atestam que a produção, uso e descarte de utensílios plásticos representam ameaças maciças ao bem-estar humano e ambiental, praticamente na mesma proporção das mudanças climáticas. De fato, o problema do plástico tem despertado uma preocupação tanto de agências ambientais (nacionais e internacionais) como de gestores(as) públicos(as) que, buscando amortizar o problema, vêm adotando medidas regulatórias. Embora ações para reduzir o problema ambiental dos plásticos sejam bem-vindas, muitas decisões recentes têm sido tomadas sem a necessária ponderação de especialistas sobre o tema.

No último dia 7 de junho, o site da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) divulgou matéria informando que, a partir do segundo semestre, as escolas estaduais substituirão os copos de plástico comuns por outros de material biodegradável. A matéria, intitulada “Governo de SP vai extinguir o uso de copos e material plástico nas escolas estaduais“, ainda menciona que os utensílios substituídos serão confeccionados em polipropileno biodegradável e que a fabricação do produto é feita de acordo com supostas vigentes da Anvisa.

À primeira vista, isso pode parecer uma medida nobre e acertada, porém existem dois aspectos importantes a serem analisados ​​na matéria: primeiro, polipropileno biodegradável não existe, e, segundo, a regulamentação da Anvisa apenas aspectos ligados à saúde pública (nesse caso, quanto à composição e uso desses materiais), não sendo de sua competência a avaliação de critérios ecológicos dessa vereda, como a biodegradabilidade dos materiais.

Embora a matéria não forneça maiores detalhes, as informações veiculadas levam a acreditar que os novos utensílios a serem usados ​​nas escolas serão feitos de plásticos oxo-biodegradáveis ​​que, apesar da nomenclatura, não sofrem declínio em ambientes naturais e ainda podem acelerar a formação de microplásticos . Esses materiais já foram proibidos em vários países do mundo, inclusive na União Europeia, devido aos riscos ambientais e ao seu enquadramento como prática de greenwashing(termo em inglês que indica falsas alegações ambientais em produtos comerciais). Nesse aspecto, a Fundação Ellen MacArthur publicou uma declaração pedindo a proteção mundial de plásticos oxo-degradáveis ​​e já recebeu a adesão de 150 organizações, incluindo European Bioplastics, M&S, PepsiCo, Unilever, Veolia, British Plastics Federation, Gulf Petrochemicals, WWF e dez membros do parlamento europeu. Portanto, a substituição propagandeada pela Secretaria de Educação é, potencialmente, mais lesiva para a natureza do que os plásticos convencionais atualmente utilizados.

No Brasil, não é crime produzir, comercializar e utilizar produtos feitos com materiais oxo-biodegradáveis, os quais podem ser facilmente encontrados nas gôndolas da maioria dos supermercados, vendidos sob falsas alegações de biodegradabilidade. Por outro lado, quando um produto reconhecidamente prejudicial para o meio ambiente passa a ser adotado como alternativa sustentável por intuições públicas, sobremaneira em escolas estaduais, é importante que eles sejam solicitados. Cabe ainda enfatizar que o Brasil é o quarto maior gerador de resíduos plásticos do mundo, sendo essencial que políticas públicas cientificamente orientadas sejam adotadas. Mais além, a leniência com que encaramos essas questões pode levar consumidores(as) conscientes a abandonar práticas ambientalmente amigáveis,

Na maioria das nações desenvolvidas do mundo, substituições como a proposta pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo têm sido feitas por utensílios descartáveis ​​que são, de fato, biodegradáveis, como aqueles feitos de papel, papelão ou madeira. Alternativamente, e ainda mais desejável, seria empregar o recurso disponibilizado e adotar materiais reutilizáveis ​​que deixaram a geração de resíduos e, simultaneamente, ajudar a educar as crianças com relação às responsabilidades com seu próprio lixo. De todo modo, para avaliar se essa é uma medida ecologicamente sã, é essencial que o Governo do Estado indique publicamente qual é o tipo de material que será utilizado na referida troca, demonstrando, assim, que a entidade experimentou um repertório técnico robusto nesse assunto para apoiar, com propriedade e responsabilidade, ahashtag #CombataAPoluiçãoPlástica.

* Ítalo B. Castro e Paula C. Jimenez são pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar/Unifesp)

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