Pedestres e ciclistas penam para usar equipamento, que foi projeto por quem não vai usá-lo
Inaugurada com pompa e circunstância, inclusive com a presença de ministro de Estado, a passarela construída próximo à Alfândega é o retrato perfeito de como empresas e a autoridade portuária encaram a relação do Porto de Santos com a cidade (e os moradores) que o abrigam.
Com o objetivo de garantir segurança a pedestres e ciclistas que realizam a travessia por barcas entre Santos e Vicente de Carvalho (o popular Itapema, em Guarujá), a empresa Rumo construiu uma passarela com escadas e elevador, ao custo de R$ 20 milhões! Inaugurado no dia 16, o equipamento quebrou dias depois. Em menos de dez dias de uso, os degraus racharam e os ciclistas precisam carregar suas bicicletas.
Não apenas isso. Especialistas em urbanismo apontam uma série de problemas técnicos no projeto, como os degraus vazados, que não respeitam a norma técnica de acessibilidade (NBR 9050). Este tipo de escadaria pode provocar acidentes, se o pé do usuário ficar preso no vão.
Os trilhos existentes para atender os ciclistas não é prático. A ideia do projeto era fazer com que as rodas da bicicleta deslizem por eles, poupando o ciclista de carregar o veículo. Porém, o espaço entre o trilho e o corrimão é pequeno demais, o que faz os guidões das bicicletas se chocarem.
O jornalista Rafael Mota, editor do jornal A Tribuna, acertou na mosca: quem projetou o equipamento não precisará usá-lo. É mais uma das centenas de obras espalhadas pelo Brasil, concebida em escritórios confortáveis, mas sem vínculos com a realidade: é a arquitetura hostil.
O episódio parece indicar a principal razão de se construir a passarela. Para a Rumo, resolveria o conflito entre a passagem de composições com cargas milionárias pela linha férrea e os cidadãos que precisam fazer a travessia entre as duas margens do estuário. Mais: a passarela dá sinal verde para a empresa seguir adiante com seu projeto de mais uma linha férrea paralela às existentes.
Faltou, mais uma vez, o diálogo das empresas e da autoridade portuária com as cidades que abrigam o porto. A esperança é, com a mudança no governo federal, esta relação tenha outro rumo.
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