Até a semana passada, havia um conceito no Brasil de que ninguém gosta de pagar impostos e tributos. Até quarta-feira da semana passada, para ser mais exato, dia 17. Nessa data foi divulgada uma carta de 250 super-ricos do mundo todo, ao Fórum Econômico Mundial, reunido na Suíça. E nessa carta, os bilionários e milionários pedem aos líderes mundiais para… ser mais tributados. Ser mais taxados. Ou seja: pagar mais impostos.
E o que os brasileiros temos a ver com isso? Pois é. Entre os nomes de Abigail Disney, Valerie Rockfeller, Ise Bosch, herdeiras de impérios empresariais, está lá um brasileiro, João Paulo Pacífico, do grupo de investimentos Gaia. Um brasileiro que quer pagar mais impostos !!!
Para quê pagar mais tributos? Para reduzir a desigualdade social e melhorar a qualidade dos serviços públicos. Os super-ricos entendem que a desigualdade atual conduz a sociedade humana para o caos, a catástrofe e que esse destino que se desenha coloca todos, tanto super-ricos como super-pobres, em risco.
São 250 excêntricos, você pode pensar. Uma minoria inexpressiva.
Não. O mais surpreendente é que não. Uma pesquisa realizada em 20 países mostrou que 74%, ou seja 3 em cada 4 milionários e bilionários, estão de acordo com essa iniciativa de pagar mais impostos.
Enquanto isso…
No mesmo dia 17, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, derrubou uma resolução do governo Bolsonaro que isentava de impostos líderes religiosos. Essa isenção foi concedida a padres, pastores e pais-de-santo em julho de 2022 por um Ato Declaratório Interpretativo de julho/2022. A interpretação estendia para eles uma isenção que os templos já têm.
Embora a isenção revogada beneficiasse “líderes religiosos” em geral e isentasse a prebenda, uma espécie de salário que alguns deles recebem, só os pastores evangélicos espernearam. E como espernearam. A Frente Parlamentar Evangélica, que congrega 132 deputados e 14 senadores divulgou uma nota de repúdio. Nela aparecem algumas expressões novas como igrejofobia, bibliofobia e sacerdotiofobia. Diz que a atitude afasta o governo da população cristã.
O mais interessante é que os deputados e senadores evangélicos, entre eles Silas Câmara, Marco Feliciano, Eli Borges, defendem essa isenção que beneficia os bolsos deles, mesmo ela constituindo uma claríssima afronta à lei. Ou melhor, às leis. Isso porque isenções não podem ser concedidas por decisões infra-legais, como explica o advogado Roberto Mohamed. E porque não podem ser concedidas em anos eleitorais, como explica a procuradora-geral do município de Santos, Renata Arraes.
Resumo da ópera: enquanto os super-ricos se mostram preocupados com a desigualdade social e com a qualidade dos serviços públicos, e querem pagar mais tributos, os pastores evangélicos se preocupam mais com os próprios bolsos e defendem o privilégio ilegal de não pagar tributo nenhum.
Jesus disse que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Para esses super-ricos, com certeza Cristo reformularia essa possibilidade: quem sabe um filhote de camelo passar pela janela/escotilha de um navio. Já esses pastores evangélicos, acho que é mais fácil um dinossauro entrar numa caixa de fósforos do que um deles entrar no reino dos céus.