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O suplício do Papai Noel

21/12/2022
O suplício do Papai Noel | Jornal da Orla

Ensaio sobre o mito do bom velhinho

Strauss inicia seu ensaio O suplício do Papai Noel a partir de um polêmico fato ocorrido em 1951 na cidade francesa de Dijon: preocupados com o desvirtuamento do sentido do Natal, religiosos católicos e protestantes uniram-se no átrio da Catedral para enforcar e queimar um Papai Noel na frente de 250 crianças do orfanato local.

Partindo desse episódio, o filósofo investiga as razões que levaram à invenção do Papai Noel. Remontando aos ancestrais análogos em várias culturas (o deus romano Saturno; o Julebok escandinavo; São Nicolau; ritos indígenas), Strauss conclui que o Papai Noel é um fenômeno de convergência cultural e que a forma ocidental-americana é apenas a sua encarnação moderna. Esse mito sempre significou um rito de passagem da infância para a maturidade e uma forma de exercício de poder dos velhos sobre os mais novos – afinal, só as “boas crianças” seriam presenteadas pela entidade natalina, seja ela qual for.

Fato é que todos se esforçam para manter aceso o prestígio do bom velhinho. Otimista, dirá Strauss que “lá no fundo ainda persiste a vontade de acreditar numa generosidade irrestrita, numa gentileza desinteressada, num breve instante em que se suspende qualquer receio, inveja, amargura”. Uma fugidia pausa nos tormentos cotidianos: talvez esta seja a magia do Natal.

Motivos para ler:

1- Claude Lévi-Strauss (1908-2009), belga radicado na França, desenvolveu trabalhos de relevo na antropologia e filosofia modernas. É considerado um dos maiores intelectuais do século XX. Possuía forte relação com o Brasil: excursionou pelo país, elaborou estudos acadêmicos e foi professor da USP;

2- O ensaio é um rico gênero literário, mormente quando grandes cientistas e intelectuais se propõem a escrever de forma acessível ao grande público. Pelos ensaios conseguimos espiar pelas linhas dos grandes mestres e nos assombramos com o tamanho do gênio humano;

3- Quanto mais lemos, mais descobrimos. Quanto mais descobrimos, mais conseguimos conectar os fios do mundo através do tempo-espaço. Este livro revela que mitos culturais se imbricam: vivem e sobrevivem ao longo da história. Para compreender o presente é preciso entender o passado. Quem leva isso a sério se torna mais interessante, mais esperto e certamente se posicionará com maior clareza e correção na vida pública e privada.

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