Cena

Mãe, motorista e pioneira na ferrovia portuária

11/05/2025 Isabela Marangoni
Arquivo pessoal

Como a primeira – e única – mulher motorista a atuar na ferrovia do Porto de Santos, Lúcia Carvalho carrega nas mãos não apenas o volante de um caminhão que transporta equipes e ferramentas para emergências sobre trilhos, mas a condução de uma vida inteira marcada por coragem, resiliência e amor incondicional.

Antes de conquistar seu espaço no setor operacional — ainda muito dominado pelos homens — Lúcia trilhou uma longa estrada. Começou como feirante, batalhando diariamente até que um acidente a obrigou a mudar de rumo. Foi taxista, realizou o sonho de dirigir o famoso – e saudoso – ônibus seletivo em Santos por 10 anos, e depois migrou para linhas maiores na Piracicabana, enfrentando madrugadas e desafios. “Dirigir é liberdade. Eu amo máquinas grandes, gosto da força e da determinação que elas exigem”, conta.

Há dois anos e meio, ela assumiu seu posto atual, transportando para dentro dos trilhos do maior porto da América Latina equipes e ferramentas para manutenções emergenciais. “O porto não pode parar”, ela explica, com o tom sereno de quem sabe bem o tamanho da responsabilidade que carrega.

Estar nesse espaço não foi simples. “Trabalhar no Porto de Santos, num setor operacional, é um desafio. Era um lugar, até pouco tempo, só para homens. Tem uns que ainda estranham”, conta. Mas, com 24 anos de profissão, ela tira de letra qualquer tensão.

Mas, se na estrada ela sempre foi destemida, é na maternidade que Lúcia revela seu lado mais profundo e emocionante. Mãe de Jean Emmanuel, hoje com 39 anos, ela realizou ainda jovem seu sonho de infância: adotar uma criança. “Desde menina, quando eu mesma sonhava em ser adotada, prometi que um dia faria isso. E o nome seria Emmanuel, que significa ‘Deus conosco’”, lembra. Adotado ainda bebê, ela conta que Jean é um menino especial, negro, que cresceu entre desafios, preconceitos e muito amor. “Eu sempre falei a verdade para ele. O ser humano tem que ser criado com a verdade”, diz.

MÃE SOLO

Criá-lo sozinha não foi uma tarefa fácil. Enquanto trabalhava longas jornadas, Lúcia conciliou sua rotina pesada com o cuidado diário e ainda foi apoio emocional e educacional. “Eu trabalhava, deixava a comida pronta no micro-ondas, ensinava ele a mexer… Sempre disse a ele que existem dois caminhos na vida, o bom e o ruim. Ele quem decide o que quer da vida e, graças a Deus, sempre escolheu o melhor”. Entre desafios e superações, Jean se tornou campeão de xadrez e, mesmo vivendo hoje em São Paulo, mantém com a mãe um laço forte e indestrutível.

Este Dia das Mães tem um gostinho especial para Lúcia: pela primeira vez em anos vai descansar na data. Ao lado de Jean, dos enteados e dos netos, ela vai viver um dia sem dirigir, mas com o coração acelerado de alegria.

Ela deixa ainda um recado para as mulheres, especialmente mães, que sonham conquistar espaços ainda considerados “masculinos”. “Persistam. Realizem seus sonhos, acreditem em si mesmas e se qualifiquem sempre. Assim como eu alcancei, muitas outras também podem”.

E para Jean, seu eterno menino, a mensagem que resume toda uma vida de dedicação. “Coragem, persistência e nunca desistir do seu objetivo”. Porque se existe uma palavra que a define, essa palavra é mãe — no sentido mais amplo e forte que essa palavra pode ter.