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Mário e o mágico

21/06/2023
Mário e o mágico | Jornal da Orla

Uma pequena obra-prima de 1930 que profetizou o fascismo europeu

O título já expõe as condições inusitadas desta curta novela: dele se infere que há qualquer relação entre um Mário e um mágico, ocasionada durante alguma viagem cujo final foi desastroso. A sensação de perturbação imposta pelo título cresce durante toda a leitura até culminar no ato final desta genial estória.

Apesar da narrativa simples, o livro foi erguido sobre um construto metafórico riquíssimo que atravessou o conturbado início do século XX para encontrar espaço na contemporaneidade. Escrito em tintas claras e diretas, a novela retrata as férias de uma família estrangeira na Itália. O desejável prazer das férias dá lugar a uma série de aviltantes desconfortos impostos pela comunidade local aos turistas, com o clímax de terror ocorrendo na apresentação do mágico Cipolla.

Muitos se perguntam como, em países de tradições culturais extraordinárias como Alemanha e Itália, o fascismo conseguiu direcionar a mentalidade do povo contra sua própria índole, voltando-a para o mal absoluto. O livro dá pistas: escrito quando Hitler começou a despontar politicamente, foi a primeira ficção a identificar os elementos da ideologia fascista com precisão.

Motivos para ler:

1- Thomas Mann (1875-1955) integra a fina flor dos gigantes literatos de todos os tempos. Viveu num momento histórico difícil e ainda assim produziu obras para a eternidade, como Os Buddenbrooks, Morte em Veneza, Doutor Fausto e Montanha Mágica. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1929;

2- Notam-se os clássicos signos fascistas ao longo da trama: o patriotismo infantil e artificial; a absurda acusação de “ofensa à moral e bons costumes” contra uma criança na praia; o mágico como líder hipnótico e manipulador; a eclosão dos ressentidos discursos de ódio; a negação da ciência. O funesto final representa também uma esperança: a libertação do jugo fascista pelas mãos do povo. Fácil notar que essas estruturas aparecem ainda hoje. Correto Umberto Eco: cada época tem seu próprio fascismo;

3- Ler autores dessa qualidade é uma grande experiência. Este título, curto e de prazerosa leitura, é uma excelente porta de entrada para a alta literatura.

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