Significados do Judaísmo

Lilith: mito demoníaco ou mulher progressista

29/03/2023
Lilith: mito demoníaco ou mulher progressista | Jornal da Orla

Até o final do século XX, o demônio Lilith, citada como a primeira esposa de Adão, tinha uma reputação assustadora de sequestradora e assassina de crianças e sedutora de homens. Somente com o advento do movimento feminista na década de 1960 ela adquiriu seu alto status atual como modelo para mulheres independentes. O midrash moderno da feminista Judith Plaskow sobre a história de Lilith desempenhou um papel fundamental na transformação de Lilith de demônio em modelo.

A imagem de Lilith, sob o nome Lilitu, apareceu primeiramente representando uma categoria de demônios ou espíritos de ventos e tormentas na Suméria.

Muitos estudiosos atribuem a origem do nome fonético Lilite por volta de 700 A.E.C. Ela é também associada a um demônio feminino da noite que originou na antiga Mesopotâmia. Era associada ao vento e, pensava-se, por isso, que ela era portadora de mal-estares, doenças e até mesmo da morte.

Segundo a mitologia judaica, Lilith era a esposa de Adão antes de Eva. A lenda de Lilith tem suas raízes no livro bíblico de Gênesis, onde duas versões contraditórias da Criação eventualmente levaram ao conceito de uma “primeira Eva”.

O primeiro relato da Criação aparece em Gênesis 1 e descreve a criação simultânea de seres humanos masculinos e femininos, depois que todas as plantas e animais já foram colocados no Jardim do Éden.
Nesta versão, o homem e a mulher são retratados como iguais e são ambos o pináculo da Criação de Deus.

A segunda história da Criação aparece em Gênesis 2. Aqui o homem é criado primeiro e colocado no Jardim do Éden para cuidar dele.
Quando Deus vê que ele está sozinho, todos os animais são feitos como possíveis companheiros para ele. Finalmente, a primeira mulher (Eva) é criada depois que Adão rejeita todos os animais como parceiros. Portanto, neste relato, o homem é criado primeiro e a mulher é criada por último. Deus diz:

Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele”.

Outra citação é a que Adão diz:

Esta sim, é ossos dos meus ossos[…]”, passando a ideia de: “Agora sim, está é minha verdadeira mulher”.

Com base no entendimento de um dos maiores cabalistas de todos os tempos, duas passagens no Zohar explicam esta contradição: A primeira passagem, descreve Adão como tendo um “espírito nocivo” que foi removido quando Eva foi criada. O “espírito nocivo” da luxúria foi removido quando ele se casou e pôde dirigir sua sexualidade de maneira santa e adequada por meio da conexão com sua esposa.

Na outra passagem, o entendimento é o mesmo. Lilith, representando a luxúria e o desejo sexual dirigido negativamente, “fugiu” quando Adão se casou com sua noiva, Eva.

Lilith é o demônio mais notório da tradição judaica. Lilith significa “a noite” e ela incorpora os aspectos emocionais e espirituais da escuridão: terror, sensualidade e liberdade desenfreada.

No judaísmo popular, os mitos primários sobre Lilith continuam a identificá-la principalmente como uma ladra de bebês. Numerosos amuletos para mulheres grávidas e bebês, desde os tempos medievais até os tempos modernos, usam nomes de três anjos, Sanvi, Sansanvi e Samangelof para afastar Lilith. Estes anjos foram comandados por Deus para encontrar Lilith.

Esses amuletos também podem conter um círculo com os nomes de Adão e Eva no interior do círculo e o nome de Lilith no exterior: um aviso claro para Lilith ficar fora do reino da família. Às vezes, uma fita vermelha também é colocada em um berço para afastar Lilith.

No final da Idade Média, os místicos amplificaram sistematicamente a demonologia de Lilith, com base nas tradições e superstições europeias, e também lhe atribuíram uma forma mais definida. As superstições sobre ela e seus atos nefastos foram, com outras superstições, disseminadas cada vez mais entre a massa do povo judeu.

O movimento feminista contemporâneo encontrou inspiração na imagem de Lilith como a mulher incontrolável e mudou decisivamente sua imagem de demônio para mulher poderosa. Em 1972 Lilly Rivlin publicou um artigo sobre Lilith para a revista feminista Ms., com o objetivo de recuperá-la para as mulheres contemporâneas. A revista feminista judaica Lilith, fundada no outono de 1976, adotou seu nome porque os editores foram inspirados pela luta de Lilith pela igualdade com Adam. Um artigo na edição introdutória expôs o apelo de Lilith e rejeitou o entendimento dela como um demônio.

Desde então, o interesse por Lilith só cresceu entre feministas judias, poetas e outros escritores. Um livro recente e útil reúne muitos artigos e poemas sobre Lilith, com foco específico em sua importância para as mulheres judias.

Lilly Rivlin, que escreveu um livro sobre o assunto, ressalta: “No final do século XX, mulheres autossuficientes, inspiradas pelo movimento feminista, adotaram o mito de Lilith como seu. Elas a transformaram em um símbolo feminino de autonomia, escolha sexual e controle do próprio destino.

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