A polarização vai se tornando uma marca desse início do século 21. O fenômeno, muito intenso no Brasil, tem características mundiais. Pelo menos na parte do mundo em que vigora a liberdade de expressão. E a roda viva das redes sociais.
Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma em narrativa política. Vacinas, decisões jurídicas, legislações, tratamentos de saúde, bolsas de valores, investimentos de multinacionais, fenômenos climáticos… todas as questões recebem análises periciais de especialistas pós-graduados na universidade do WhatsApp.
Uma parcela de 20 a 30% dos brasileiros, que se auto-define como conservadora, de direita, faz uma leitura, Outra parcela equivalente, que se diz progressista, ou de esquerda, faz a leitura oposta. E assim caminha a brasilidade na direção da desinformação.
Com a operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, nesta quinta-feira, essa rotina se manteve. A Veritatis latina ficou ofuscada no meio das versões contraditórias.
A Polícia Federal aposta, a partir de mensagens, vídeos e áudios interceptados com as altas patentes civis e militares do bolsonarismo, numa conexão entre a campanha de descredibilização das urnas eletrônicas, os acampamentos pós-eleitorais em frente aos quarteis e as invasões e depredações de 8 de janeiro. A delação premiada do ajudante de ordens de Bolsonaro, Tenente Mauro Cid, conduziu as investigações nessa direção.
Parece coerente. Uma estratégia. Daí o enquadramento como tentativa de golpe. A desconfiança das urnas justificaria: eleição fraudada. O pedido na frente dos quarteis, intervenção militar. Ou seja: golpe. As invasões das sedes dos três poderes, a senha para a intervenção que tinha dado chabu ou para um decreto de Garantia da Lei e da Ordem que transferiria o poder para os militares e que não veio. A intenção era a de criar uma situação que levasse ao golpe militar.
A interpretação do lado atingido é outra. Que a operação não passa de uma perseguição a Bolsonaro. Que não há o devido processo legal. Que o STF não é o foro adequado. E por aí vai.
O processo, convém lembrar, é a última fase. A primeira é a investigação. Com base nela, o Ministério Público apresenta ou não a denúncia. Se apresentar e o tribunal aceitar, aí sim vira processo.
O Regimento Interno do STF determina que quando a infração penal é cometida na sua sede, que foi invadida e vandalizada, cabe a ele abrir a investigação. O artigo 104 da Constituição define que quando há envolvidos com foro especial, como membros do Congresso, a instância correta é o STF. E os artigos 76 e 77 do Código Penal encaminham para o STF pessoas comuns que tenham cometido os mesmos crimes junto com os parlamentares.
Se a tentativa de golpe vai ser confirmada ou não pela investigação é outra questão. Muitas vezes as investigações mostram que os acusados são inocentes. Mas com os indícios que já foram apresentados, absurdo seria não investigar.