Raul Christiano
Havia chegado em Santos, em abril de 1971, com família e alguns passarinhos, porque na época isso era comum. Tinha 13 anos de idade e o hábito de ler jornais desde que me alfabetizei em Brotas, Interior de São Paulo. Lá, os meus tios assinavam a “Folha de São Paulo” e o semanal “O Progresso”, cujo cabeçalho se dedicava à uma pretensão de Paulo Maluf que não se consumou: “Brotas, futura capital do Estado”, seguida da data da edição do jornal. Isso se seguiu por um bom tempo dos tempos da megalomania do “Brasil do milagre”.
Costumo dizer que o meu destino estava traçado, e, no começo de 1972, fui parar na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, na Praça José Bonifácio, da Catedral e do Fórum, como auxiliar do bibliotecário. Diariamente, a sua sala de leitura era frequentada por associados ou não, ávidos na leitura dos jornais e revistas semanais da época. Havia praticamente todas as publicações impressas, de Santos e do país, e leitores que não gostavam muito de conversar comigo ou entre os presentes. Um verdadeiro código de silêncio imperava no recinto.
Muito mais tarde vim saber que parte desses frequentadores eram clandestinos políticos, brasileiros de Santos, que formavam uma resistência ao regime político de então. Nos seus sindicatos ou nas atividades autônomas ou de comércio no centro da Cidade.
Aos 14 anos, comecei a publicar desenhos e textos no suplemento infanto-juvenil de “A Tribuna”, “A Tribuninha”, e, nos fins de semana não sobravam cruzeiros para não perder o embalo da leitura, e comprar pelo menos um dos jornais locais, “A Tribuna” e “Cidade de Santos”. Foi quando dois primos de quarto grau (João Carlos e Luiz Antônio Albuquerque Veronese) vieram morar na cidade e criaram um jornal, o “Domingo de Sol”, mantido por publicidade do comércio de Santos e São Vicente, e distribuído nas casas, prédios e na orla das suas duas praias.
Puxando na minha memória, essa publicação, que teve uma duração curta e que ajudei a distribuir, também no esplendor dos meus 14 anos de idade, pode ser a antecessora do “Jornal da Orla”, que neste 18 de novembro, completa 50 anos de existência, ininterrupta, do abastecimento de notícias e informações de variedades, com distribuição gratuita, talvez a mais longeva no Brasil.
Peguei o meu primeiro exemplar do “Jornal da Orla”, na praia do José Menino, diante do Posto 2, onde aproveitava o mar santista nos finais de semana. Ele a lacuna dos meus finais de semana e passei a ficar sempre atento para ter a minha edição. Sou daqueles que ainda hoje guarda páginas de jornais, com algum tipo de matéria que possa ser útil num trabalho de estudo ou de referência para novos artigos, mas por muitos anos guardava praticamente todas as edições do jornal, desde a sua primeira impressão.
Nesse intervalo de tempo, outras publicações surgiram na cidade e na região, tentativas de repetir o feito do “Jornal da Orla”, mas não resistiram. Sujeitos às pressões políticas, principalmente, muitos desses veículos foram marcados por uma posição, ideológica inclusive, selecionando o tipo de informação e de personalidades a destacar nas suas páginas. Esses foram logo marcados pelos leitores e fadados às maiores dificuldades de sobrevivência, no caso, da garantia das suas periodicidades, ante o boicote de anunciantes.
Desde 2021, assino a coluna digital “Um Olhar Sobre o Mundo”, na agora plataforma do “Jornal da Orla”, mas em razão de cumprir função pública no Governo do Estado, a frente da Secretaria Executiva da Justiça e Cidadania, precisei pausar as minhas colaborações escritas. Mas no momento da comemoração do seu Jubileu de Ouro, não podia faltar e deixar de compartilhar a minha convivência história com o meu jornal companheiro, num momento em que ainda falta muitas coisas, mas o “Jornal da Orla” resiste, firme, forte e altaneiro. Parabéns aos que jamais economizaram atitudes para fazê-lo e utilizá-lo como o canal mais amistoso com Santos, de todos os encantos.