Uma senhora de cabelos de cor lilás e vestido estampado de flores miúdas desejando sair para o seu compromisso e não encontrando as chaves da casa.
-Onde as teria colocado? Sobre a mesa da cozinha, sobre algum armário? Onde as teria deixado?
A memória não lhe dava nenhuma dica. E seus olhos de 94 anos não colaboravam muito, principalmente depois de um descolamento de retina, que lhe foi roubado parte da visão.
Aquela avó já havia perdido muitas coisas em sua vida, principalmente o vigor físico, a agilidade, a visão. Sem contar nos tantos amigos que haviam partido antes dela.
Afinal, quem se demora mais por aqui vai somando maior número de despedidas do que de chegadas.
São amores que se vão, colegas da faculdade, professores primorosos, o primeiro namorado, com quem nem chegou a se casar, ficando uma carinhosa amizade, lembrando as doçuras da adolescência.
Mas, a senhorinha não se deu por vencida, naquele dia. O tempo corria, ela estava atrasada, não podia perder mais tempo em buscas e mais buscas.
Então, teve uma ideia ousada. Chamou a vizinha, não muito mais jovem que ela mesma, armou uma escada, subiu os degraus e pulou o muro que dividia as duas casas.
Saiu pelo portão da amiga.
Algo inimaginável para aquele corpo frágil pelo tempo.
E lá está ela, feliz, cheia de planos e colocando em prática todos os possíveis.
Quando os filhos a desejam visitar, precisam telefonar com antecedência, porque difícil será encontrá-la em casa.
Com seu carro, vai às compras, ao shopping, marca um chá com as amigas, está no grupo de estudos da doutrina que ama, na atividade de voluntariado ou em cordial visita a alguém enfermo.
[com base em texto de Débora Zanelado e na Red. do Momento Espírita]
Uma verdadeira lição de vida, demonstrando que viver é persistir.
Porque afinal, a vida é o que a gente se permite nesse espaço-tempo em que os nossos olhos permanecem abertos.
Que a gente possa ver e, mais do que isso, desfrutar do existir.
Precisamos aprender a envelhecer. Aprender a olhar para o espelho e perceber que a face não apresenta o mesmo viço.
Contudo, é imperioso que descubramos que nosso olhar continua brilhante, inquieto, desejando ver todas as cores de todos os dias.
Enquanto persistir essa vontade impetuosa de viver, a longevidade se prolonga, com mais qualidade de vida e felicidade.