Significados do Judaísmo

Como um hospital romano salvou judeus inventando uma doença

08/03/2023
Como um hospital romano salvou judeus inventando uma doença | Jornal da Orla

Embora os anos da Segunda Guerra Mundial tenham sido uma época em que contos de esperança e salvação eram poucos e distantes entre si, há histórias de pessoas e grupos que demonstraram bravura extraordinária para salvar vidas. Eles foram um vislumbre de luz durante um período sombrio que resultou em poucos finais felizes.

Na Itália, a situação começara a degringolar em 1938, quando sob pressão, o governo italiano publicou o Manifesto da Raça, um conjunto de ideias racistas transformadas em Leis, restringindo casamento entre judeus e não-judeus, removendo a cidadania italiana de judeus, proibindo que trabalhassem. No papel, as tais Leis eram mais duras que as Leis de Nuremberg, promulgadas na Alemanha Nazista. Na prática, nenhum judeu foi preso e deportado para campos de concentração, como a Alemanha queria.

Quando a Itália mudou de lado na guerra, foi prontamente invadida pela Alemanha. O Gueto de Roma foi duramente atacado, milhares de judeus foram deportados. Só em um dia, 16 de Outubro de 1943, 1023 judeus foram mandados para Auschwitz. Apenas 16 sobreviveram.

Entretanto, surgiu um movimento natural para esconder judeus dos nazistas, e um dos mais criativos meios foi inventado pelo Professor Giovanni Borromeo, Dr. Adriano Ossicini e o Dr. Vittorio Emanuele Sacerdoti, um médico judeu de 28 anos. O Professor Borromeo era médico-chefe do Ospedale Fatebenefratelli, um hospital fundado em 1585, que ficava em uma ilhota no Rio Tibre.

Nascido em 1898, Borromeo era um antifascista declarado. Aceitou o emprego no Fatebenefratelli por ser gerido por frades católicos e, segundo um acordo entre a Igreja Católica e o regime fascista, era considerado um hospital privado, desvinculado das regulamentações estatais. Não exigia que seus funcionários pertencessem a um partido político.

Depois da data fatídica de Outubro, os médicos e frades do hospital receberam um número cada vez maior de pacientes. Esses pacientes eram, no entanto, refugiados. Mas o que os alemães não sabiam era que esses refugiados seriam diagnosticados com a Síndrome K, uma doença contagiosa inventada: ‘Il Morbo di K’, também conhecida como Síndrome K ou ‘Síndrome K’. A misteriosa doença recebeu seu nome como uma irônica menção ao oficial alemão encarregado de Roma, Albert Kesselring.

A síndrome criada por Giovanni Borromeo, médico-chefe do hospital, com a ajuda de seus outros médicos, tinha a intenção de salvar aqueles judeus e antifascistas que ali buscavam refúgio.

Na verdade, como a “síndrome K” não era uma doença real, a escaramuça não teria funcionado se alguém da equipe do hospital tivesse traído os médicos.

“Síndrome K” logo se tornou um código que se referia a pessoas escondidas no hospital. Adriano Ossicini (que mais tarde se tornou Ministro da Saúde da Itália, nos anos de 1990), entre outros, escreveu mensagens para Borromeo, pedindo um número preciso de leitos para serem reservados para pacientes com K, que chegariam no hospital nos dias seguintes. O hospital aceitou refugiados até o dia em que os aliados entraram e libertaram Roma.

Pietro Borromeo, filho de Giovanni, revelou que, como esperado, no final de outubro, os nazistas realizaram uma busca por judeus e antifascistas no Fatebenefratelli. Borromeo levou-os ao redor do hospital e descreveu, em detalhes, os terríveis efeitos que a Síndrome K tinha em suas vítimas. Tendo feito isso, ele os convidou para procurar nas enfermarias. Os nazistas, que Pietro Borromeo disse que estavam acompanhados por um médico, rejeitaram o convite e saíram sem mais investigações.

Pietro Borromeo, filho de Giovanni, revelou que, como esperado, no final de outubro, os nazistas realizaram uma busca por judeus e antifascistas no Fatebenefratelli. Borromeo levou-os ao redor do hospital e descreveu, em detalhes, os terríveis efeitos que a Síndrome K tinha em suas vítimas. Tendo feito isso, ele os convidou para procurar nas enfermarias. Os nazistas, que Pietro Borromeo disse que estavam acompanhados por um médico, rejeitaram o convite e saíram sem mais investigações.

Em maio de 1944, os nazistas finalmente invadiram o hospital, mas o estratagema foi executado com tanto cuidado que apenas cinco judeus poloneses foram pegos escondidos em uma varanda. Eles sobreviveriam à guerra quando Roma foi libertada apenas um mês depois.

A coragem de Borromeo foi reconhecida tanto na Itália, como internacionalmente. Em 2004, anos após sua morte em 1961, o Yad Vashem, o memorial oficial de Israel para as vítimas do Holocausto, o reconheceu como um dos Justos entre as Nações, uma honra concedida a pessoas que arriscaram suas vidas para salvar judeus durante o Holocausto.

Como outros homens e mulheres que esconderam os judeus em suas casas, em espaços públicos, ou que mentiram para salvá-los, os médicos e frades no Fatebenefratelli puseram suas próprias vidas e liberdade em sério risco.

Os oficiais nazistas em Roma nunca se tornaram conscientes de que a Síndrome K não existia. Isso foi um caso em que desinformação, medo e ignorância trabalharam como uma força para o bem.

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