PhD em neurociência explica em que casos é possível “converter” quem nega o conhecimento científico
A Terra é plana, o homem nunca foi à Lua, vacinas não funcionam… Apesar das abundantes evidências científicas, ainda há, em pleno século 21, pessoas céticas aos fatos e que preferem acreditar numa “verdade alternativa” que não encontra reflexo na realidade.
Trata-se de um fenômeno tão antigo quanto a própria existência da humanidade, mas, numa época em que acreditar na eficácia e segurança de vacinas é fundamental, os negacionistas deixaram de ser motivo de piada e se tornaram uma preocupação real.
A origem do negacionismo
PhD. em neurociência, o biólogo e antropólogo Fabiano de Abreu explica que o negacionismo está diretamente ligado à falta de conhecimento das pessoas, resultado de um sistema educacional historicamente deficiente. “Quem tem limite do conhecimento acredita conhecer tudo, já que tudo está no limite deste espaço”, argumenta.
Ele acredita que, para evitar a proliferação de negacionistas, é preciso realizar a prevenção, investindo no sistema educacional, estimulando a personalidade curiosa das crianças. “A ignorância tem relação com a falta de curiosidade”.
Atrofia cerebral
Fabiano de Abreu, que vem se dedicando ao assunto em grupos de estudo compostos por pesquisadores de diversas universidades do mundo, alerta que o comportamento negacionista também pode estar relacionado a um problema fisiológico: a atrofia de determinadas regiões na porção frontal do cérebro, responsáveis pela inteligência, tomada de decisões e prevenção. “Por isso que muitas pessoas têm atitudes incoerentes”, completa.
Ansiedade e dopamina
O especialista acrescenta que a ansiedade, constante e intensa, pode alterar a anatomia do cérebro, causando disfunções em neurotransmissores. “O Brasil é o país mais ansioso do mundo, são dados da OMS. E isso é relativo à violência e desigualdade social”, afirma. “Quando você tem qualquer coisa que lhe coloque em risco, a ansiedade vem. A ansiedade recorre à amigdala cerebral, que vai traçar mapas de opções para sair dessa situação”. Fabiano de Abreu explica que é esta dinâmica que ocorre no cérebro de um negacionista. “Imagine um limiar, que é a homeostase, o equilíbrio, e ele está mergulhado abaixo desse limiar. Quando pensa ter razão em algo, libera dopamina, neurotransmissor da recompensa, e o eleva acima deste limiar”, explica.
No entanto, trata-se de um círculo vicioso, pois na mesma velocidade que migra da situação de desconforto para a de prazer, ele retorna ao estágio inicial, necessitando, de forma viciante, liberar mais dopamina.
Como lidar com negacionistas
O biólogo e antropólogo avalia não ser fácil conviver ou “converter” um negacionista. “Se você tenta levar o conhecimento, busca um diálogo profundo a ponto de fazê-lo pensar e ele está raciocinando sobre aquilo, ótimo. Tem salvação”, afirma. “Ele definiu que aquilo é aquilo porque ele tem o conhecimento muito curto. Quando você traz argumentos coerentes, que comprovem ou o faça pensar sobre aquilo, tem salvação”, completa.
Porém, e sempre tem um porém, a situação é muito mais delicada se o negacionista simplesmente não quer ouvir. “Se ele não quer raciocinar, já tem um transtorno envolvido, um transtorno narcisista, que ele pensa de uma maneira e ninguém o convence do contrário. Aí é cabível de tratamento, o problema é ele reconhecer, aceitar que precisa de tratamento”.
E se o negacionista for irredutível? “Conviva com pessoas com quem possa interarir, trocar conhecimento. Com quem você não consegue isso, não tem porquê conviver. Para que você tenha uma melhor saúde mental”, conclui.